Dos
aprovados no vestibular da Fuvest cujos nomes
constavam da primeira lista de convocados para
matrícula, na capital e no interior, 24%, por algum
motivo, deixaram de matricular-se em diferentes cursos
da USP e desistiram de suas vagas. Uma segunda chamada
foi feita e já agora uma terceira. Pode parecer
estranho que 2.562 pessoas aprovadas para ingresso na
mais prestigiosa universidade brasileira e uma das
cerca de 200 mais importantes do mundo tenham
desistido do privilégio por nada. As razões
apresentadas tanto pela USP quanto pelo MEC e pelos
cursinhos, na verdade, nada explicam: multiplicação de
vagas nas universidades federais, escolha de vagas com
base nos resultados do Enem e as bolsas concedidas
pelo ProUni para ingresso em escolas superiores
particulares. Esses seriam, eventualmente, motivos
para não tentar o vestibular na USP, porque mais
seletivo. Mas não os motivos para obter uma vaga
através do vestibular mais exigente e depois
recusá-la.
Os 13% de
desistência semelhante, em 2005, já representavam uma
incógnita que pedia estudos e pesquisas, sobretudo
para sustentar medidas de economia de recursos
públicos no supostamente mau investimento em vagas que
não serão preenchidas ou o serão com estudantes que
não obtiveram o melhor resultado no processo seletivo.
Ou então para desenvolver uma economia mais ampla de
apoio a alunos que estão ingressando ao mesmo tempo na
idade adulta e na universidade e relutam em assumir um
compromisso que poderá custar-lhes mais do que podem,
apesar de universidade pública e gratuita.
Notícia da
Folha de S. Paulo informa que, dos 19 cursos com
índice superior a 40% de renúncia à matrícula, 16
estão no interior. Vários são os fatores que podem
contribuir para a desistência. O mais provável é o de
que os candidatos tenham feito inscrição em mais de um
vestibular e em outros cursos de seu maior interesse
em outras universidades. Dos inscritos no vestibular
de 2009, 68% pretendiam fazê-lo também em outras
universidades, incluídas as públicas.
Renúncias
têm havido até em cursos de grande procura, na
capital. Dos três cursos de maior procura e de maior
prestígio, direito, engenharia e medicina, não foi
propriamente pequeno o índice de renúncia ao direito
de matrícula na primeira chamada ? respectivamente
11,6%, 19,7% e 5,7%. Todos cursos de alta disputa
pelas vagas, com respectivamente 19, 14 e 49
candidatos por vaga. Seria, portanto, temerário
inferir desses indicadores que haja excesso de oferta
de vagas em relação à demanda. Sabemos todos que a
universidade não é um supermercado, cuja dinâmica siga
as oscilações do gosto e do consumo. Ao contrário, ela
tem se antecipado à procura, oferecendo formação em
função das carências que são as da própria produção e
distribuição do conhecimento. É o que a USP tem feito
com as novas licenciaturas para formação de docentes
para o ensino médio em campos mais abrangentes da
ciência.
A pesquisa
que a Fuvest fez entre os vestibulandos, em 2010,
mostra a proporção dos que se inscreveram em primeira
opção em determinado curso. Em direito, o curso foi
primeira opção para 57,9% dos inscritos para o diurno
e apenas para 28,9% dos aprovados para o noturno.
Medicina, o curso com maior número de candidatos por
vaga, não foi primeira opção para 11,4% dos
vestibulandos que para ele se inscreveram. E
engenharia da produção, na Escola Politécnica, foi
primeira opção para 41% dos aprovados. Ser chamado
para um curso de segunda e terceira opção certamente
representa uma frustração suficiente para estimular a
renúncia à vaga e até a evasão posterior.
Uma
universidade como a USP vai além da graduação. Envolve
um complexo de compromissos e projetos também, e
sobretudo, na pesquisa e na pós-graduação. O prestígio
da USP é medido por critérios que envolvem esse
conjunto denso: os resultados das pesquisas, as
publicações, as participações de seus pesquisadores em
reuniões científicas dentro e fora do Brasil, a
formação de novos doutores. Não é casual que a USP
esteja praticamente entre as 200 mais importantes
universidades do mundo, no ranking do Times Higher
Education, de Londres. Com o esclarecimento da
instituição que o prepara de que ela está muito perto
de retornar à lista: no ranking de 2005 a USP estava
em 196º lugar e em 2007 em 175º lugar. A instituição
sublinha que ela "esteve muito perto de entrar na
lista das 200 instituições deste ano". E destaca que,
no Brasil, provavelmente, apenas no Estado de São
Paulo há universidades de classe internacional. Lembro
que a USP, a Unicamp e a Unesp têm docentes em tempo
integral, com doutorado, significativo desempenho em
pesquisa e fundos adequados do governo, o que se deve
sobretudo à Fapesp. O deslocamento da USP e de muitas
outras universidades do mundo se deve ao aumento da
competição pelas melhores colocações. A Alemanha
emplacou apenas três universidades entre as cem
primeiras.
JOSÉ DE
SOUZA MARTINS, PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO, É AUTOR DE A SOCIABILIDADE DO HOMEM SIMPLES
(CONTEXTO)