Peço minhas desculpas, mas não
consigo evitar a deixa para dar meu rápido pitaco.
Eu vejo cinco grandes "vilões"
(ou talvez até sem aspas) responsáveis pelo lamentável retrato dos tempos atuais
traçado nos e-mails anteriores a este. Os três primeiros vilões são responsáveis
pelo retrato de todas as áreas, enquanto os dois últimos estão
relacionados mais especificamente à Estatística, embora analogias
possam ser vistas em outras áreas:
1 - A educação
pré-universitária: sistemas de progressão continuada, sistemas de cotas e
benesses similares só servem para fazer chegar ao final do Colegial (atual
Ensino Médio) pessoas sem um mínimo de preparo básico para o dia-a-dia (e com
preparo acadêmico básico menor ainda).
Se alguém sai do Coelgial/Ensino
Médio incapaz de entender corretamente frases básicas (me refiro não à mera capacidade de ler um texto escrito, mas de
apreender o que quem o escreveu está querendo dizer), como poderá absorver
teoremas de cálculo, textos de direito ou o conteúdo da disciplina universitária
que for?
2 - O vestibular e outras formas
de acesso à universidade: confesso que não conheço detalhes do método de
cálculo das notas dos vestibulares atuais mas, quando eu prestei a Fuvest em
1991 a nota era uma simples soma das oito provas da segunda fase, o que traz
como conseqüência óbvia uma alta probabilidade de trazer para a universidade
pessoas sem um mínimo de capacidade específica para o entendimento das
disciplinas daquele curso. Eu prestei o vestibular para Matemática (escolhi
Estatística apenas no final do primeiro ano) e quase não fui aprovado,
provavelmente por causa de notas em química e em humanas. Se minhas notas em
humanas fossem um tantinho mais baixas, eu poderia perfeitamente ter perdido a
vaga para uma pessoa com nota zero em matemática, notas altíssimas em humanas e
soma maior que a minha! E (com o perdão do exemplo propositalmente exagerado)
quem tem mais chances de deslanchar num curso universitário de matemática: um
aluno com nota 9 em matemática, 5 em história, 5 em geografia e 6 em
português (soma 25) ou um aluno com nota 2 em matemática, 8 em história, 8 em
geografia e 9 em potuguês (soma 27)?
3 - A vida dos anos 2010.
Com milhares canais de TV por assinatura, exibindo seriados, shows e
outras atrações "irrecusáveis", com centenas de shows e baladas fervilhando em
todas as grandes cidades, com dezenas de orkuts, facebooks, twitters, MSNs e
afins constantemente chamando a atenção e cheios de novidades, como querer que
um jovem de 18, 20 anos ache tempo e interesse para assistir a "enfadonhas"
aulas na faculdade? Não, não estou criticando ou defendendo mudanças nas aulas
universitárias, mas apenas salientando que algo deve ser feito para que a cabeça
dessa geração seja mais bem "sintonizada" após a chegada à
universidade.
4 - Novamente, o vestibular.
Reitero que não conheço o funcionamento atual dos vestibulares mas, quando
ingressei na faculdade em 1991, havia diversos colegas da minha sala que tinham
colocado alguma Engenharia como primeira opção e acabaram "caindo" na
Matemática, que era apenas a segunda ou terceira opção. A conseqüência é obvia:
assistindo às aulas frustrados e a contragosto é lógico que o desempenho não
tende a ser dos mais expressivos...
5 - Os estereótipos. Nas
novelas, nos seriados, nos comerciais e em todo lugar, certas carreiras /
profissões são representadas sempre da mesma forma:
- Executivos
e administradores são sempre ricos, bem-sucedidos e com mulheres
lindas;
-
Publicitários e artistas são sempre caras legais, criativos, modernos e cercados
de mulheres;
- Matemáticos
e físicos são sempre nerds com óculos fundo de garrafa, permanentemente enfiados
em livros, computadores e laboratórios e sem um pingo de capacidade afetiva ou
social...
Com uma "propaganda" dessas, não
é de espantar que pouquíssima gente realmente se dedique a mergulhar de cabeça e
a construir uma carreira em Matemática ou em Estatística.
Acabei me alogando mais do que gostaria, pelo que
peço minhas desculpas.
Marcelo L. Arruda
----- Original Message -----
Sent: Monday, October 24, 2011 10:11
AM
Subject: Re: [ABE-L]: faltam
livros...
Carvalho e Gauss,
Realmente a falta de leitura e escrita
(quem não lê, via de regra não sabe escrever) é um problema sério. Aliás,
escutei no rádio hoje cedo que os alunos que fizeram a prova do ENEM
consideraram a prova de Português muito difícil, pois tinha textos muito
longos (de quase meia página) e "pegadinhas", segundo eles, onde frases muito
parecidas mudavam de sentido pela troca de apenas uma palavra ou pontuação (
achei curioso, pois julgava que a prova era para isso mesmo!!). Em casa
tenho exemplos, felizmente do lado oposto, pois meus filhos tiveram muito
estímulo à leitura nas escolas que frequentaram no ensino básico e hoje, ambos
na área de exatas (em Matemática e Engenharia de Controle e Automação), sempre
são elogiados pelos seus textos (Beatriz vai defender o Doutorado em
Matemática em dezembro e já recebeu retorno da banca nesse sentido, que sua
tese está muito bem escrita, como era, aliás, deveria ser de
esperar!). Portanto, mais uma vez, o problema está antes da faculdade,
pois, realmente, não dá para ensinar ler e escrever nos cursos de
graduação. Abraços,
Em 23 de outubro de 2011 20:54, Jose Carvalho <carvalho@statistika.com.br>
escreveu:
Caro Gauss, boa noite!
Sou, mais uma vez, provocado
por uma mensagem sua. Não é reclamação. Ao contrário, um agradecimento
por instigar.
Tenho igual apreciação sobre o problema aventado por V.
Já há muito tempo passado, em um curso de graduação na Unicamp, um aluno
surtou em minha aula. Fora provocado por uma exortação minha a que
estudassem e que lessem muito. Ele, aos prantos, disse que em sua família
nunca entrara um livro. Como podia eu exigir que ele lesse, e, mais
ainda, livros em inglês? Ele conseguiu a consideração de boa parte da
turma. Isso eu entendo, dado o problema, o jeito com que ele se dirigiu a
mim, descontrolado, supostamente pela minha fala. Pior é que alguns
professores, sabendo do problema, acharam que ele tinha certa razão.
Afinal, coitado, ele merecia uma atenção especial.
Em geral, eu
começava os cursos cheio de garra, dando notas escritas,
cobrando exercícios, enfim fazendo o que devia fazer. Não vou dizer, de
mim mesmo. que fazia COMO devia fazer. Deixo a outros a avaliação, se
houver. Mas sei que, no decorrer dos semestres letivos, ao ver
olhares de surfistas fitando o mar vazio, a ausência de entusiasmo
da maioria, e mesmo a falta de capacidade e de base, a "garra" sumia. Não
adiantava reprovar, pois isso não os forçaria a estudar. Por razões e
modos que não citarei aqui, nada impediria nem atrasaria a progressão
formal desses alunos à obtenção de um canudo no final.
Como V.,
também tive alunos excepcionais. Exceções a essa regra, mas
eram poucos.
Por outro lado, continuo na minha opinião que a
formação profissional de estatística devia dar-se, como nos EUA, na
pós-graduação. Seria um jeito de termos melhores alunos, e mais maduros,
capazes de entender o que é estatística. Esses alunos seriam melhor
motivados.
A conversa é muito grande para esta lista. Mas que sua
observação procede, não cabe dúvida. De resto, isso não é um reflexo do
Brasil de hoje, onde qualidade e dedicação são substituídos pela
acochambração? A corrupção generalizada é um câncer, que desmoraliza e
desmotiva a todos, em tudo.
Abraços dominicais... :-)
Zé
C.
On Sunday 23 October 2011 09:01:08 gauss@de.ufpe.br wrote: > Caros
Redistas, > > Ontem jantando com um amigo, engenheiro civil,
empresário bem sucedido, > que estudou comigo na UFPE, ele me dizia
que os últimos engenheiros > que sua empresa havia contratado, não
tinham os livros básicos das > disciplinas de resistência dos
materiais, concreto armado, > instalações hidráulica e
elétrica. > > Ele me contou, também, que um engenheirando do
CEFET (eu não sabia que > os CEFETs tinham cursos de engenharia, pois
pensava que era para > formação de técnicos), enfatizou que os
próprios professores não > adotavam livros. > > Em suma:
eles faziam todo o curso de engenharia sem comprar esses livros. > Bem
diferente da nossa época que seguíamos virando noites debruçadas >
nesses livros. Nos cursos de Estatística, graduação e pós, presencio >
vários alunos "sem élan" para nossa área. Claro, que alguns são bem >
dedicados e mostram-se interessados em aprender, mas parece que
esses > últimos formam um percentual bem menor. Nos dias de hoje,
existem todas as > facilidades que não tínhamos quando entramos na
universidade em 1970. > Entretanto, muitos alunos persistem na
universidade literalmente sem > estudar e apenas aguardando o produto
final: um diploma. Existem até > aqueles alunos que querem voar como
um condor se não sabem voar nem como > um bacurau. > > Que
fique registrado aqui a nossa preocupação como educadores e na >
formação de novos pesquisadores! > > Bom domingo para
todos. > > Cordiais Saudações, > >
Gauss
-- Vermelho F.: (21)
2501 2332 - casa 2142 0473 -
IBGE
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