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Re: [ABE-L]: Um caso



Se formos falar de probabilidades aplicadas a eventos esportivos, poderemos escrever um livro com centenas de páginas de "causos"...

Em 2006, antes do início das quartas-de-finais da Copa do Mundo, fui entrevistado por um repórter do site oficial de um conceituado comentarista político-econômico. As perguntas, previsíveis, eram sobre as probabilidades de o Brasil vencer a França nas quartas e, posteriormente, de conquistar o título. Minhas respostas (lembro-me até dos números) foram: o Brasil tem 64% de probabilidade de se classificar para as semifinais, contra 36% da França. E das oito seleções quadrifinalistas, o Brasil tinha a maior probabilidade de conquista de título: 32%. Pois bem, poucos dias depois o Brasil foi derrotado no célebre jogo do meião do Roberto Carlos e, no dia seguinte ao jogo, recebi telefonema do próprio titular do site, querendo fazer uma nova entrevista para que eu me explicasse, pois, segundo ele, eu havia afirmado que o Brasil ia ganhar da França e que seríamos hexacampeões naquela Copa! Ainda tentei argumentar que, se havia 32% de chances de o Brasil vencer a Copa, então havia 100 - 32 = 68% de chances de o Brasil NÃO vencer a Copa, mas o eminente jornalista só soube dizer algo como "não vem com desculpas, você disse que o Brasil ia ganhar e o Brasil perdeu, você errou"...

Marcelo

----- Original Message ----- From: <asimonis@ime.usp.br>
To: "Alejandro C. Frery" <acfrery@gmail.com>
Cc: "Jose F. de Carvalho" <carvalho@statistika.com.br>; "ABE Lista" <abe-l@ime.usp.br>
Sent: Tuesday, May 15, 2012 6:51 PM
Subject: Re: [ABE-L]: Um caso





Caros, relato um ¨causo¨ tal como me contaram...

Um colega matemático, recém chegado ao Brasil no final de seu programa
de doutorado, recebeu uma solicitação de entrevista por parte de
um jornalista. Tratava-se de estimar as chances de vitória que
o piloto Ayrton Senna teria faltando 3 corridas para a final do
mundial de fórmula 1.
Jovem doutor, com paciência, explicou ao jornalista todas as possibilidades,
tais como ficar em segundo ou terceiro lugar, Alan Prost ir para o
pódium, e assim por diante. Foram 3 horas de entrevista para exaurir
as possibilidades e estimar a chance de campeonato do Senna.
No dia seguinte, o jornal de grande circulação anunciava em Manchete:
Jovem Matemático, recém-vindo da França, estima que quanto mais corridas
o Senna vencer, maior a chance de ser campeão!!

Abs









Citando "Alejandro C. Frery" <acfrery@gmail.com>:

Caríssimos redistas,

Minha singela contribuição para esse fascinante assunto das
entrevistas data de quando eu trabalhava no CIn da UFPE.

Me ligaram de um jornal local pedindo uma entrevista sobre "compressão
de dados". Preparei uma apresentação ilustrada com os primeiros
minutos de "8½", do grande Fellini, que usa a Cavalgada da Walkíria,
de Wagner, como fundo musical. Fiz todas as contas bem fáceis de
acompanhar: o tamanho de cada imagem em pixels, o espaço que cada
pixel ocupa para arquivar um tom de cinza, o espaço necessário para
conter esse trecho musical, para, finalmente, comparar esse volume
teórico necessário com o volume real ocupado pelo arquivo em disco.
Voilà, a mágica da compressão de dados estaria justificada...

Antes de chegar à metade da minha apresentação a jornalista me
interrompeu e disse, com a uma expressão de tédio inesquecível, algo
assim: "Mas o que eu quero é que o senhor conte como se instala o
Winzip".

Infelizmente não fui de utilidade nenhuma. Não usava (nem uso) Windows.

Alejandro

2012/5/15 Jose F. de Carvalho <carvalho@statistika.com.br>:
Sobre entrevistas, tenho um "causo". Bom para contar em roda de chopp... mas
vá lá.

Em 1978, recém chegado dos EUA, fui a João Pessoa, em um congresso da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (acho que era essa a sociedade),
para receber o Prêmio Gerhard Domack, ganho por um artigo publicado na
revista da sociedade. Esse prêmio era patrocinado por uma farmacêutica, de modo que tudo foi feito à la grande bouffe. Uma festa e tanto! Entre tantas
atividades, fui protagonista de uma entrevista coletiva. O assunto era
esquistossomose e eu temia sair mal na fotografia...

Entre mil perguntas sobre a pesquisa e sobre esquistossomose em geral, havia
uma repetida insistentemente por uma jornalista local. A pergunta era
repetida sempre do mesmo jeito: "O senhor, como cientista, é a favor da
anistia ampla, geral e irrestrita?" Eu lhe disse, mais uma de vez, que não
responderia à questão, por estar fora do tema. Mas ela insistia... e
insistia! Ao fim, lembro que lhe disse algo para expressar: "Olhe, eu estava
fora do Brasil por quatro anos, nada sei do que está ocorrendo. Além do
mais, não sou um cientista, muito menos ainda tenho mandado dos cientistas do Brasil para falar por eles. Não responderei a sua pergunta!" Estou seguro
de haver sido taxativo.

Dessa entrevista, tenho guardados vários recortes de jornal. Tudo que falei
sobre o assunto propriamente saiu errado em quase todos os jornais, por
óbvia falta de entendimento do assunto pelos jornalistas. A exceção foi
Ethevaldo Siqueira, do Estadão, que entendeu e conseguiu reproduzir minhas
declarações à perfeição para seus leitores. Cômica foi a manchete do
jornaleco local, que peguei no dia seguinte. Dizia: "Cientista aprova
anistia, ampla, geral e irrestrita". A jornalista pode haver lido meus
pensamentos, mas não reproduziu minhas palavras na entrevista.

E sobre matérias técnicas de estatística, tenho vários outros exemplos de
deturpações de minhas declarações, mesmo se dadas por escrito. As
deutrpações foram causadas por evidente falta de entendimento do assunto
pelos jornalistas. Bem... em estatística, área onde muitos praticantes e
alguns "teóricos" não tem a menor ideia do método, isso não surpreende.
Fique registrado o caveat do Carlinhos: cuidado com entrevistas!

Abraços,

Zé C.



--
Alejandro C. Frery
Maceió, AL - Brazil
http://sites.google.com/site/acfrery/
http://www.researcherid.com/rid/A-8855-2008




Adilson Simonis <asimonis@ime.usp.br>