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RE: [ABE-L]: Memorial - memorial



Boa tarde a todos e todas, 
gosto muito deste grupo pois aprendo muito de história da estatística brasileira e mundial, bem como métodos e acesso temas recentes!

Aproveitando a "mensagem-aula" do professor Carlos e gostaria de saber em que nível esta a "multidisciplinaridade" da formação dos estatísticos no Brasil a nível de graduação e pós-graduação.

Existe um movimento neste sentido ou tem de ser uma iniciativa individual dos alunos?

Como os colegiados responsáveis pela elaboração e adequação dos currículos estão trabalhando para nosso tempo contemporâneo que exige profissionais com uma formação mais ampla?

Acho um bom tema para debatermos!

abs
Sandra

> Date: Sat, 15 Jun 2013 02:09:03 -0300
> From: cpereira@ime.usp.br
> To: abe-l@ime.usp.br
> Subject: [ABE-L]: Memorial - memorial
>
>
> Memorial - memorial
> Caros redistas me perdoem por escrever sobre minhas particularidades.
> No entanto, a vontade de escrever leva-nos a procurar um canal onde
> não há referees nem avaliadores que impeçam a gente de escrever com
> liberdade total. Neste veiculo a gente tem tanto a liberdade de
> escrever como a liberdade de não ler algo que seja publicado. Assim
> vou aqui escrever um memorial tanto no sentido de nossa academia como
> no sentido da língua Inglesa.
>
> Dia 12 de junho faleceu uma pessoa que eu admirava desde que o
> conheci. Professor Michael Kasha, um grande cientista. Na seguinte
> página vocês poderão ler sobre suas conquistas:
>
> http://www.tallahassee.com/apps/pbcs.dll/article?AID=2013306140028
>
> Mas o que queria dizer é que tive a sorte de ser recebido pela
> família Kasha por um simples golpe de sorte. Nicolas, seu filho foi
> um apaixonado pelo Brasil e assim que chegamos apareceu em nossa porta
> para treinar seu português. Ficamos assim amigos da família que nos
> recebia com muito carinho. Dr Kasha dedicava-se bastante ao Andre,
> meu filho, quando íamos a sua casa.
>
> Dr Kasha era uma pessoa de uma simplicidade incrível e um cientista de
> grande valor. No artigo acima irão ver o quanto ele alcançou em sua
> vida de cientista. Ensinou-me que devemos como acadêmicos, sempre
> iniciar uma nova carreira quando a atual estava chegando ao seu
> máximo. Assim, enquanto a primeira iniciava um declínio, a segunda
> estava iniciando a subida. E assim devia ser a sequencia da vida de
> um acadêmico. Declínio de uma, subida de uma nova! Ele fez de quase
> tudo, com sucesso. Escreveu um artigo na enciclopédia britânica sobre
> construção de violões, outro sobre construção de barcos e ganhou um
> prêmio com a flor Lili, nome de sua esposa, Lili Kasha, que conseguiu
> criar em seu jardim fazendo estudos genéticos.
>
> Dr Kasha era mesmo incrível alem de ser uma pessoa adorável. Nunca
> tive a sensação de ele se achar superior a quem quer que fosse. Quando
> estive angustiado para escrever minha tese de doutorado ele me
> explicava sobre a tarefa de escrever ciência. Disse-me certa vez que
> a escrita de uma tese não pode durar mais do que três meses depois que
> a pesquisa tivesse sido completada. Eu escrevi a minha em três
> meses, mais porque meu orientador iria viajar em três meses. Fiquei
> com a sensação que tinha aprendido bem os ensinamentos do Dr Kasha.
> Quando fui a Tallahasse para o aniversário de 50 anos do departamento
> de estatística ele fez questão de nos ver e tive a impressão que ele
> não envelhecia. Brinquei com ele sobre o fato de ele estar usando
> seus conhecimentos de química. Lembrei que ele brigava com o Nicolas
> com a mania de ser natureba: Dizia ele que tudo é feito de química
> inclusive a alface diária de nossa comida. Assim “por que evitar a
> química dos enlatados?” perguntava ele.
>
> Descanse em paz grande mestre!
>
>
> Agora um memorial no nosso sentido acadêmico. Tive a oportunidade de
> seguir os ensinamentos do mestre Kasha e “sai por ai” procurando
> cientistas para poder iniciar novas “vidas”. Com meus companheiros do
> Butantan pude publicar vários artigos em citogenética e nosso grupo
> está bem ativo inclusive com um artigo recente no PLOS. Iniciamos
> nossa trajetória no inicio dos anos 70. Com o grupo da cirurgia
> vascular tive a chance de publicar uma série de artigos de
> meta-análise nas melhores revistas da área, como J. Vascular Surgery.
> O nosso líder nesta área foi o saudoso Dr Maximiano Albers, outro
> grande cientista. Na área de Psiquiatria encontrei muitos desafios e
> venho tendo a honra de publicar artigos em revistas de renome com
> grandes nomes da área. Na área de genética tive dois mentores, os
> saudosos Professores Oswaldo Frota-Pessoa e Luiz Edmundo Magalhães. A
> minha tese de mestrado foi construída dentro do laboratório do
> Professor Edmundo. Aproveitando meus problemas de saúde, fui paciente
> de fisioterapia na faculdade de medicina. Ali fui atendido pela Dra
> Amélia Marques Pasqual, hoje uma das lideres da área no Brasil.
> Construímos uma trajetória de sucesso com uma série publicações
> relevante na área. Há ainda minha participação esporádica em outras
> áreas como administração e epidemiologia entre outras.
>
> A multidisciplinaridade foi sempre a recomendação do mestre Kasha.
> Ele tinha razão e assim posso recomendar aos nossos jovens que
> procurem fazer seus caminhos com lideranças competentes como as que eu
> tive.
>
> Chegar aos 67 anos tem estes dissabores: perdemos nossos amigos,
> pedaços de nós mesmos, a cada momento.
>
> --
> Carlos Alberto de Bragança Pereira
> http://www.ime.usp.br/~cpereira
> http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
> Stat Department - Professor & Head
> University of São Paulo
>
>