MAT 5697 - Introdução à Geometria Diferencial Sintética e Seus Modelos

      A Geometria Diferencial e a Teoria das Categorias são campos da Matemática em que o Instituto de Matemática e Estatística se destaca por sua produção científica. A apresentação da Geometria Diferencial Sintética aos alunos, que estão habituados à abordagem analítica, pode agregar grande valor a seu repertório e cultura matemáticos, oferecendo-lhes novos pontos de vista sobre a matéria. A disciplina enseja a integração de (pelo menos) duas áreas da Matemática, a Teoria das Categorias e a Álgebra Comutativa, à Geometria (diferencial e algébrica) de maneira orgânica. Os anéis C, que introduzimos neste curso, são ferramentas muito utilizadas em diversos campos da Matemática em efervescência atualmente, como na extensão do programa de Jacob Lurie da “Geometria Algébrica Derivada” para uma “Geometria Diferencial Derivada”. Este curso, portanto, atende alunos interessados em diversas áreas da Matemática, provendo-lhes tanto os elementos basilares da teoria dos anéis C, que permitem ao aluno avançar no estudo dos modelos da GDS e de tópicos mais avançados, como alguns resultados originais, desenvolvidos no próprio instituto, apresentando-lhes um resumido estado-da-arte

  • Informações do Curso

      As técnicas utilizadas em Geometria Diferencial Sintética permitem-nos formalizar alguns conceitos de Geometria Diferencial que não teriam justificativa formal dentro da Matemática Clássica. Lidar com objetos que modelem grandezas "infinitamente pequenas" ou com "deslocamentos infinitesimais", no âmbito clássico, às vezes se torna uma tarefa muito complicada, e suas técnicas tendem a obscurecer os significados e os verdadeiros papéis dos objetos subjacentes.

      Por exemplo, os antigos infinitésimos de Newton e Leibniz, amovidos da Matemática do século XIX com o advento da aritmetização da Análise, levada a cabo por Weierstrass e Cantor, foram parcialmente revividos nos últimos cinquenta anos pela Análise Não-Convencional (Non-Standard Analysis) de Abraham Robinson e Edward Nelson. Mas enquanto estes últimos recuperam o sentido dos "infinitésimos invertíveis" na Análise Matemática, permaneceu injustificado o emprego dos "infinitésimos nilpotentes" da Geometria Diferencial do final do século XIX e início do século XX, exemplificados pelos raciocınios sintéticos (e "ingênuos", modernamente), como o uso dos paralelogramos infinitesimais por Sophus Lie e Élie Cartan (um método popular entre físicos e engenheiros de todas as épocas). Técnicas lógicas e categoriais empregadas no contexto da Geometria Diferencial, principalmente a partir da decada de 1970, permitiram tornar esta utilização precisa e matematicalmente correta.

       Pode-se dizer, grosso modo, que a Geometria Diferencial estuda, entre outras coisas, os objetos e as setas da categoria das variedades suaves e funções suaves entre elas, Man. Esta categoria, no entanto, apresenta alguns empecilhos para uma descrição simples de muitas construções. Em muitas aplicações da Geometria Diferencial como, por exemplo, na Física, existe a necessidade de lidar com espaços de funções diferenciáveis entre variedades diferenciáveis com alguma noção de diferenciabilidade. Ora, por definição de variedade diferenciável como sendo um certo espaço topológico de Hausdorff, com base enumerável e localmente euclidiano, o espaço das funções suaves entre variedades não se caracteriza, ele próprio, como variedade diferenciável (de dimensão finita), e isto impõe obstáculos que podem se tornar incontornáveis a depender do problema a ser tratado. Outra "deficiência" importante da categoria é sua limitação em termos de construções: só podemos considerar produtos finitos desses objetos, certos tipos de pullbacks especiais (mediante uma condição de transversalidade) e alguns quocientes.

      A Geometria Diferencial Sintética procura, assim, oferecer um sistema no qual possam existir harmoniosamente, dentro do escopo da teoria, todos os espaços de funções suaves, assim como uma profusão de tipos de colimites e limites (que são objetos típicos da Teoria das Categorias). Porém, isto tem um preço, que se manifesta por meio de "complicações" na própria interpretação da Teoria e de sua Lógica subjacente. O raciocínio sintético, apesar de muito intuitivo, mostra-se inconsistente com a Lógica Clássica, sendo necessário tratá-la usando apenas argumentos "construtivos" (ou seja, a Lógica Intuicionista).

      Surge, portanto, a necessidade de "novos mundos" onde possamos interpretar esta Geometria Diferencial, mundos estes que disponham de uma lógica interna mais flexível. Estes "mundos" são toposes (ou topoi ), categorias estruturalmente robustas (fechadas sob limites, colimites, "exponenciação" e um classificador de subobjetos) em que se pode "fazer matemática", assim como fazemos em Sets.

      Os anéis C são, então, usados para construir esses toposes - como, por exemplo, o topos de Dubuc. Apesar de serem apresentados por esta utilidade, os anéis C têm apresentado muitas outras aplicações, merecendo um estudo de per se. Neste minicurso apresentaremos os anéis C dos pontos de vista funtorial e da Álgebra Universal, juntamente com diversas propriedades estruturais da categoria CRing (a categoria dos anéis C e seus respectivos morfismos), pontuando tópicos da Álgebra Comutativa Suave (um análogo da Álgebra Comutativa) e outras aplicações (como a classificação de espaços booleanos).

      Neste breve minicurso pretendemos introduzir o ouvinte à Geometria Diferencial Sintética (GDS), apresentando formulações axiomáticas que permitem uma descrição simplificada de diversos objetos e conceitos da Geometria Diferencial como, por exemplo, o “axioma de Kock-Lawvere” e suas consequências, oferecendo-lhe um outro ponto de vista sobre o estudo das variedades suaves. Mostraremos como o conceito de anel C se adequa perfeitamente à construção de modelos para esta teoria.

       Apresentaremos ao aluno as diversas definições do conceito de anel C, tanto na linguagem funtorial quanto na da Álgebra Universal, particularmente útil para se demonstrar diversas propriedades desses objetos. Apresentaremos, também, alguns resultados novos, desenvolvidos no IME-USP, a respeito desses anéis.

Resumo Histórico

      A Geometria Diferencial tem como um de seus principais objetos de estudo a noção de variedade (uma “quantidade n−vezes estendida”). Este conceito remonta à palestra de habilitação de B. Riemann, em 1854, e as teorias das variedades diferenciáveis e das variedades Riemannianas surgiram como um esforço de seus sucessores para esclarecer e formalizar as ideias ali apresentadas. Originalmente essa noção abrangia, inclusive, variedades de dimensão infinita, como por exemplo, a dos “valores possíveis de uma função em uma dada região”, a “das formas possíveis de uma figura sólida” e assim por diante.

Anders Kock em um seminário no instituto Mittag-Leffler em junho de 2001. Foto de M. Djordjevic.

      Ao longo do desenvolvimento desses esforços, a noção de quantidades “infinitamente pequenas” (ou “infinitésimos”), tão úteis nos processos dedescobertas de novos resultados na Geometria — sobretudo para geômetras como S. Lie e E. Cartan — foi sendo reduzida a uma ideia vaga de, como expressou o bispo Berkeley, “fantasmas de quantidades que já partiram”, sem qualquer legitimidade no âmbito do rigor introduzido por K. Weierstrass. Com o passar do tempo, apesar das críticas, o rigor de Weierstrass prevaleceu, de modo que os infinitésimos - que tantas vezes conduziam a inconsistências lógicas - acabaram se tornando meramente uma ferramenta heurística que, embora útil, deveria ser “evitada” na demonstração de novos resultados.

      Em 1913 surge explicitamente o conceito de variedade diferenciável em sua contextura atual, em um trabalho de H. Weyl tratando também do conceito de superfícies de Riemann. Como se sabe, na Geometria Diferencial das variedades diferenciáveis como as conhecemos hoje não há espaço para “infinitésimos”, ou seja, para entes “infinitamente pequenos”, o que acaba por obscurecer a natureza de diversas definições e a essência de vários teoremas dessa área do conhecimento matemático. Mas e se, de algum modo, pudéssemos conciliar os infinitésimos com o rigor?

      Ao longo da História, a Geometria foi estudada essencialmente por dois pontos de vista principais: o ponto de vista analítico e o ponto de vista sintético. Enquanto a abordagem analítica é calcada na introdução de sistemas de coordenadas em seus objetos de estudo (ou seja, na atribuição a cada ponto de uma variedade diferenciável n-dimensional uma n−upla de números), a abordagem sintética pretende formular a Geometria em termos de axiomas capazes de “capturar” a intuição que fazemos dos entes geométricos e das relações entre eles, de modo que os resultados sobre Geometria sejam deduzidos “formalmente”, mediante deduções lógicas.

      A assistência deste curso possivelmente estará familiarizada com alguns exemplos de geometrias sintéticas: a Geometria contida em “Os Elementos”, de Euclides, as Geometrias Finitas e a Geometria Projetiva Sintética, introduzida (canhestramente) por Desargues no século XVII, são geometrias nas quais o modus operandi é deduzir, a partir de um corpo inicial de axiomas, diversos resultados acerca de seus entes geométricos e das relações entre eles.

      O poder da abordagem analítica (clássica) à Geometria Diferencial procede, em grande parte, da possibilidade de se empregar métodos do Cálculo Diferencial e, mais geralmente, da Análise Matemática, à Geometria. Pode-mos estudar “vetores tangentes”, “ângulos entre curvas” e medir áreas como auxílio do aparato do Cálculo Diferencial, ainda que apenas “localmente”, por meio da introdução de sistemas de coordenadas. Posto desta forma, a ideia de uma Geometria Diferencial que prescinda desse aparato e se utilize somente de axiomas pode parecer, à primeira vista, “improdutiva”, ou mesmo “estéril”.

      A Geometria Diferencial Sintética proposta por Lawvere é formulada no contexto da Teoria das Categorias, um ramo da Matemática que trata dos “mundos” e estruturas matemáticas de um modo mais geral. Uma categoria corresponde, a grosso modo, a um “mundo matemático”, composto por objetos e por transformações entre esses objetos. Temos, por exemplo, a categoria Sets, dos conjuntos e das funções entre conjuntos, Grp, dos grupos e homomorfismos de grupos, Top, a categoria dos espaços topológicos e funções contínuas e assim por diante.

      De acordo com John Bell, uma primeira tentativa de desenvolver uma Geometria Diferencial Sintética foi feita por Herbert Busemann, nos anos 1940, baseada em um trabalho de Paul Finsler. A ideia era construir uma Geometria Diferencial que, nas palavras do autor, dispensasse o uso de “derivadas”. Os objetos básicos de sua abordagem não eram, como hoje, as superfícies e variedades diferenciáveis, mas espaços métricos de um certo tipo nos quais a noção de geodésica era definida de modo intrínseco.

      Neste curso, o aluno articulará os conceitos da Teoria das Categorias para compreender diversos fatos sobre a Geometria Diferencial Sintética e sobre diversas propriedades dos anéis C.

  • Gravações das Aulas

Você encontrará abaixo as gravações das aulas do minicurso, que também estão disponibilizadas no portal E-aulas.usp.br.

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