2.1 Probabilidade condicional
A probabilidade condicional é uma nova medida de probabilidade, de forma a representar melhor as chances de eventos aleatórios a partir da observação da ocorrência ou não de um dado evento.
Definição 2.1 (Probabilidade Condicional).
Sejam espaço de probabilidade e eventos, com , definimos a probabilidade condicional de dado por
Quando , definimos .
Observe que quando , a razão seria da forma “”. Alguns livros preferem não definir a probabilidade condicional quando , já outros optam por definir como ou . Esta última definição faz com que a maioria dos teoremas estabelecidos neste capítulo permaneçam válidos sem que tenhamos que supor que ou considerar o caso separadamente.
Proposição 2.2.
Dado , a função que leva em é uma medida de probabilidade em , isto é, satisfaz às condições da Definição 1.34.
Demonstração.
Se , não há nada a provar pois temos e é uma medida de probabilidade. Considerando que , pela definição de probabilidade condicional, , pois o denominador é positivo e o numerador é não-negativo;
se é uma sequência de eventos disjuntos,
onde na segunda igualdade utilizamos a distributividade da união com respeito à interseção e na terceira o fato dos eventos também serem disjuntos. Isto conclui que a função que leva em é de fato uma medida de probabilidade. ∎
Exemplo 2.3.
Um dado é lançado. Sabendo-se que o resultado é maior que , qual a probabilidade de que seja par? Denotamos o primeiro evento por e o segundo por . Aplicando a definição, a probabilidade de ser par sabendo-se que o resultado é maior que é dada por
Exemplo 2.4.
Suponha que, numa dada população, aproximadamente 30% dos genes de cor de olhos seja para olho claro , e aproximadamente seja para olhos escuros . Suponha também que os casais se formam e decidem ter filhos aleatoriamente (sem nenhuma influência da cor dos olhos), de forma que os genes e estejam uniformemente espalhados por toda uma população. Assim, um indivíduo escolhido aleatoriamente nesta população terá os genes com probabilidade , ou com probabilidade , ou com probabilidade . Como ter olhos claros é uma característica genética recessiva, apenas o primeiro grupo terá olhos claros, enquanto os dois últimos terão o mesmo fenótipo, de olhos escuros. Uma pessoa de olhos escuros é selecionada ao acaso. Qual a probabilidade de que essa pessoa tenha o gene recessivo para olhos claros? Denotando “olhos escuros” e “tem um gene de olhos claros”, temos
com dois algarismos significativos. ∎
2.1.1 Regra do Produto
A Regra do Produto permite expressar a probabilidade da ocorrência simultânea de diversos eventos a partir do valor de cada probabilidade condicional de cada um deles dados os eventos anteriores.
Teorema 2.5 (Regra do Produto).
Dados os eventos ,
Demonstração.
Vamos provar por indução em . Para , a igualdade vale trivialmente. Para , se , então
donde
se , então , logo a igualdade acima continua válida. Suponhamos, por hipótese de indução, que o teorema seja válido para . Neste caso, para podemos desenvolver
Com efeito, a primeira igualdade corresponde ao caso já demonstrado, e a segunda corresponde ao caso , o que completa a prova. ∎
Exemplo 2.6.
Um móvel tem duas gavetas, a primeira gaveta contém três bolsas e a segunda contém quatro bolsas. A primeira bolsa da primeira gaveta contém duas bolas vermelhas e uma bola azul, e todas as demais bolsas contêm duas bolas azuis. Abre-se uma gaveta, escolhe-se uma bolsa e retira-se uma bola de dentro da bolsa, tudo ao acaso. Qual a probabilidade de que a bola retirada seja vermelha? Denotando “abre-se a primeira gaveta”, “escolhe-se a primeira bolsa” e “retira-se a bola vermelha”, pela Regra do Produto obtemos
Exemplo 2.7.
Selecionar cartas de um baralho de cartas, ao acaso e sem reposição. Qual a probabilidade de tirar 3 reis? Seja “tirar rei na -ésima retirada” e “tirar 3 reis” . Temos
Exemplo 2.8.
Continuando o Exemplo 2.4, quando um casal tem um filho, cada um dos pais transmite um dos seus dois genes com mesma probabilidade. Seleciona-se uma criança ao acaso. Qual a probabilidade de a criança e o pai ambos terem olhos claros? Definindo “pai tem olhos claros”, “filho tem olhos claros”, “o gene transmitido pela mãe é ”, temos
com dois algarismos significativos. ∎
2.1.2 Lei da Probabilidade Total
Dizemos que formam uma partição de se são disjuntos e . Partições são particularmente úteis em contextos onde determinado aspecto divide os resultados possíveis em casos, e é possível expressar determinadas relações em cada um desses casos separadamente.
Teorema 2.9 (Lei da Probabilidade Total).
Sejam eventos aleatórios em tais que formam uma partição de . Então
Demonstração.
Usando a Regra do Produto,
A primeira igualdade vale porque . Na segunda igualdade usamos que esses eventos são disjuntos. Na última igualdade usamos a Regra do Produto. ∎
A Lei da Probabilidade Total é particularmente útil quando um experimento tem duas etapas, e é possível expressar as probabilidades condicionais de determinado aspecto da etapa final dados os possíveis resultados da etapa inicial.
Exemplo 2.10.
Um armário tem duas gavetas, e . A gaveta tem 2 meias azuis e 3 meias pretas, e a gaveta tem 3 meias azuis e 3 meias vermelhas. Abre-se uma gaveta ao acaso e retira-se uma meia ao acaso da gaveta escolhida. Qual a probabilidade de a meia escolhida ser azul? Para a solução, comecemos observando os valores conhecidos de probabilidade: , e . Assim,
2.1.3 Fórmula de Bayes
A Fórmula de Bayes
cuja demonstração é imediata, na verdade reflete uma forma de raciocinar extremamente profunda. Estamos interessados na chance de ocorrência do evento , quando na verdade temos acesso à ocorrência ou não do evento . Antes de se observar a ocorrência de ou , a chance de ocorrência de , chamada de probabilidade a priori, é simplesmente . Uma vez observada a ocorrência de ou , procedemos a atualizar a chance do evento , multiplicando-a pelo fator de Bayes dado pela razão entre a probabilidade de se observar (ou ) no cenário em que ocorre e a probabilidade de se observar (ou ) em geral. O produto entre a probabilidade a priori e o fator de Bayes resulta no que chamamos de probabilidade a posteriori.
Claro que, usando essa fórmula, precisamos saber para calcular , mas em muitas situações aquela é mais fácil de calcular do que esta. Entre os exemplos mais simples, estão os experimentos em várias etapas em que observamos apenas o resultado final e queremos estimar as chances de distintas possibilidades nas etapas iniciais. Ou seja, quando queremos determinar a probabilidade condicional de eventos que precedem aquele efetivamente observado.
Exemplo 2.11.
Continuando o Exemplo 2.8, se selecionamos uma criança de olhos escuros ao acaso, qual a probabilidade de que o pai tenha olhos claros? Tomando “a criança tem olhos claros”, “o pai tem olhos claros”, e “o pai transmite o gene de olhos claros”, temos
que representam a chance de a mãe também transmitir o gene de olhos claros. Pela Fórmula de Bayes,
com dois algarismos significativos. O valor é a probabilidade a priori de que o pai de uma criança selecionada ao acaso tenha olhos claros. O fator de Bayes resultante da observação de que a criança tem olhos escuros é , que por ser menor que reduz a probabilidade a posteriori para . ∎
Um uso particular da Fórmula de Bayes é quando conhecemos as probabilidades de uma sequência dos eventos que particionam e as probabilidades condicionais de um evento dados os eventos dessa partição. Neste caso, podemos calcular as probabilidades condicionais de ocorrência de cada sabendo-se da ocorrência ou não do evento , pela fórmula
Os valores originais são as probabilidades a priori dos eventos , e os valores são as probabilidades a posteriori desses eventos. Como estamos supondo que é possível calcular e para todo , muitas vezes o denominador na Fórmula de Bayes será calculado pela Lei da Probabilidade Total, dando origem à fórmula
Exemplo 2.12.
No Exemplo 2.10, sabendo-se que uma meia azul foi retirada, qual a probabilidade de ter sido aberta a gaveta ? Pela Fórmula de Bayes,