1.3 Formulação axiomática de Kolmogorov
Para fazer as operações mais básicas com eventos aleatórios, vamos pedir que nosso espaço de eventos tenha a seguinte estrutura.
Definição 1.33.
Dizemos que uma classe de subconjuntos de é uma -álgebra se satisfaz às seguintes propriedades:
-
(1)
;
-
(2)
Para todo , tem-se que ;
-
(3)
Para toda sequência , vale .
Utilizaremos o termo classe para denotar um conjunto de subconjuntos de algum espaço amostral. As três propriedades dizem que o evento certo é um dos elementos de , e que a classe é fechada pelas operações de tomar o complementar e uniões enumeráveis. Estas propriedades nos garantem que , logo é fechada também por uniões finitas. Além disso, é fechada com respeito a interseções enumeráveis, pois da lei de De Morgan segue que , o que implica que também é fechada pela operação de diferença entre conjuntos, pois . Ou seja, trabalhar com uma -álgebra é algo robusto o suficiente que nos permite fazer as operações elementares de conjuntos, uma quantidade enumerável de vezes, sem sair de .55 5 Daqui surge uma pergunta mais que legítima: por que precisamos da definição de -álgebra? Quer dizer, não poderíamos simplesmente tomar como espaço de eventos e evitar tudo isso? De fato, é sim possível tomar para modelos discretos, mas recordemo-nos de alguns exemplos vistos até aqui, mais precisamente os Exemplos 1.2 e 1.3, e o da agulha de Buffon. O problema nesses exemplos é que existem subconjuntos da reta ou do plano que são tão complicados que não é possível atribuir-lhes comprimento ou área. De forma mais geral, com , não existe uma medida de probabilidade , definida em todos os subconjuntos de , com a propriedade de que para cada ponto . Mais propriedades de -álgebras serão discutidas na Seção 1.4.
Definição 1.34.
Seja um espaço amostral e uma -álgebra em . Uma medida de probabilidade , ou simplesmente probabilidade, é uma função satisfazendo às seguintes propriedades:
-
(1)
para todo .
-
(2)
.
-
(3)
Se são eventos disjuntos (isto é, para todos ), então
Esta última propriedade é chamada -aditividade.
A partir das propriedades acima, podem-se demonstrar inúmeras outras. Listamos abaixo as mais comuns.
Teorema 1.35.
Sejam uma medida de probabilidade, . Então:
-
(4)
.
-
(5)
.
-
(6)
Se , então e .
-
(7)
.
-
(8)
.
-
(9)
.
Demonstração.
Para provar (4), tome e para . Se fosse estritamente positivo, a equação que define a Propriedade (3) daria no lado esquerdo e no lado direito. Para provar (5), basta tomar , e para , então pelas Propriedades (3) e (4) segue que .
Uma medida de probabilidade também tem a propriedade de ser contínua. Dada uma sequência de eventos, denotamos por a propriedade de que e . Analogamente, escrevemos para denotar que e .
Teorema 1.36 (Continuidade).
Se ou , então .
Demonstração.
Suponha que . Fixe e defina para , de modo que e a última união é disjunta. Assim,
provando o primeiro caso. Suponha agora que . Observando que , pela parte já demonstrada, . ∎
Finalmente introduzimos o conceito de espaço de probabilidade, que nada mais é que a justaposição das noções de espaço amostral, eventos aleatórios e medida de probabilidade.
Definição 1.37 (Espaço de probabilidade).
Um espaço de probabilidade é um trio , onde
-
(1)
é um conjunto não-vazio;
-
(2)
é uma -álgebra de subconjuntos de ;
-
(3)
é uma probabilidade definida em .
Exemplo 1.38.
Lançamento de uma moeda. Este espaço é pequeno o suficiente para que possamos construí-lo explicitamente. Como fizemos anteriormente, as duas faces da moeda serão representadas em . A -álgebra é dada por . A medida de probabilidade é dada por , , . ∎