1.4 Espaços de medida
Esta seção pode ser omitida em uma primeira leitura. É pré-requisito para as Seções 5.5, 11.4, e portanto para os Capítulos 12–15. A leitura desta seção pressupõe familiaridade com os tópicos do Apêndice A.3 e usa conceitos desenvolvidos no Apêndice C.
1.4.1 -álgebras e conjuntos borelianos
As ferramentas que veremos nas partes mais avançadas deste livro funcionam com uma -álgebra de eventos. Queremos que essa -álgebra seja suficientemente grande de forma a conter os conjuntos que queremos estudar. Em inúmeras situações, para que a teoria funcione bem ou represente adequadamente os objetos estudados, vamos trabalhar com a menor -álgebra que contém uma dada classe , cuja existência e unicidade enunciamos agora.
Proposição 1.39 (-álgebra gerada por uma classe de subconjuntos).
Seja um espaço amostral e uma classe de subconjuntos de . Então existe uma única -álgebra, chamada a -álgebra gerada por , denotada por , que satisfaz às seguintes propriedades:
-
(1)
é uma -álgebra,
-
(2)
,
-
(3)
se e é uma -álgebra, então .
Daremos a prova no final deste capítulo, em forma de exercício guiado.
Exemplo 1.40.
Sejam um espaço amostral, e . Afirmamos que a -álgebra gerada por é . Com efeito, essa classe é uma -álgebra, ela contém , e qualquer -álgebra que contenha tem que contê-la. ∎
Exemplo 1.41.
Seja uma coleção de subconjuntos disjuntos do espaço amostral , tais que . Então a -álgebra gerada por é . Com efeito, é uma -álgebra, , e qualquer -álgebra que contenha deve contê-la. ∎
A -álgebra contém todos os conjuntos que podem ser obtidos como complementos e uniões enumeráveis dos conjuntos em , e também os que podem ser obtidos como complemento e união enumerável destes últimos, e assim por diante. Isso é útil porque nos diz que todos os conjuntos que podemos construir a partir de com uma sequência enumerável de operações estarão em . Entretanto, essa tentativa de construção quase explícita de é difícil de formalizar. Quando queremos descrever , é melhor trabalhar diretamente com as três propriedades que a caracterizam, como fizemos nos dois exemplos acima.
Quando o espaço amostral é , a -álgebra mais importante é a seguinte.
Definição 1.42 (Conjuntos borelianos na reta).
Para o espaço , a -álgebra de Borel é a -álgebra gerada por conjuntos abertos de . Quando estiver claro no contexto que , podemos escrever ao invés de . Os conjuntos em são chamados borelianos.
Qualquer conjunto “razoável” é um boreliano. Por exemplo, um conjunto pontual pode ser obtido como interseção de intervalos abertos , e um conjunto enumerável pode ser obtido união de conjuntos . Logo, qualquer conjunto enumerável, ou cujo complemento é enumerável, é boreliano. Intervalos também são borelianos pois . De fato, é bem trabalhoso construir um subconjunto de que não seja boreliano. Mesmo assim, devemos ter em mente que a Teoria da Probabilidade está baseada em -álgebras, e é a -álgebra mais importante em .
Proposição 1.43.
A classe também é a -álgebra gerada pela classe dos intervalos da reta, e também é a -álgebra gerada pelos intervalos semi-infinitos à esquerda e fechados à direita.
Demonstração.
Denotemos por a classe de todos os intervalos da reta, por a classe de todos os subconjuntos abertos da reta, e por a classe de todos os intervalos semi-infinitos à esquerda e fechados à direita.
Vamos mostrar que .
Seja . Então para algum . Como e é fechada por complementos, segue que . Logo, e, portanto, . Seja . Pelo Teorema A.9, , onde . Como é fechada por uniões enumeráveis, segue que . Logo, e, portanto, . Seja . O intervalo pode ser da forma , , , , etc. Vamos considerar e deixar os outros sete casos como exercício. Observe que
Como todos esses intervalos estão em , e é fechada por uniões enumeráveis e diferenças, segue que . Logo, e, portanto, . Isso conclui a cadeia de inclusões e a prova da proposição. ∎
Dado não-vazio, por exemplo , definimos . Observe que é uma -álgebra no espaço amostral .
Dado , denotamos o conjunto das sequências de números reais por
Há uma -álgebra natural associada ao espaço .
Definição 1.44.
Definimos a -álgebra de Borel como a -álgebra em gerada pela classe dos subconjuntos abertos de . Os conjuntos em são chamados borelianos em .
1.4.2 Medidas
Um espaço mensurável é um par , onde é um conjunto não-vazio e é uma -álgebra em .
Definição 1.45 (Medidas e espaços de medida).
Seja um dado espaço mensurável. Uma função é chamada medida em se
-
(1)
,
-
(2)
para toda sequência de conjuntos em disjuntos. Esta propriedade chama-se -aditividade.
O trio é chamado espaço de medida. Dizemos que é uma medida finita se . Dizemos que é uma medida -finita se existem conjuntos em tais que e para todo .
Quando , a medida é uma medida de probabilidade, como definida na seção anterior. Vejamos alguns exemplos simples de medidas.
Exemplo 1.46 (Massa puntual de Dirac).
Sejam um espaço mensurável qualquer e . A função definida por
é uma medida de probabilidade em . ∎
Exemplo 1.47 (Medida de contagem).
Seja um espaço mensurável qualquer. A medida de contagem em é definida como . Observe que a medida de contagem é finita se, e somente se, for um conjunto finito, e é -finita se, e somente se, for um conjunto enumerável. A medida de contagem em não é -finita. ∎
Proposição 1.48.
Se é um espaço de medida e , então a função dada por também é uma medida em .
Deixamos a prova como exercício.
Proposição 1.49 (Propriedades de uma medida).
Sejam um espaço de medida e . Então:
-
(1)
,
-
(2)
Se , então .
Essas propriedades chamam-se subaditividade e continuidade por baixo.
A prova é idêntica àquela já dada para medidas de probabilidade.
Observação 1.50.
A “continuidade por cima” pode ser falsa caso seja infinita para todo . Por exemplo, se é a medida de contagem em e , temos que porém , pois e para todo . ∎
O teorema a seguir, cuja prova será dada no Apêndice D.2, nos garante a existência de uma importante medida em que generaliza a noção de comprimento de intervalos.
Teorema 1.51.
Existe uma única medida em tal que
para todos . Essa medida é chamada medida de Lebesgue em .
A medida de Lebesgue é -finita, pois tomando , temos que para todo e .