Teorema de Extensão de Carathéodory
Nesta seção estudaremos o Teorema de Extensão de Carathéodory e o usaremos para provar o Teorema 1.51 (existência da medida de Lebesgue).
Recordemo-nos da definição de álgebra vista na Seção 13.1.
Dado um espaço amostral e uma álgebra , dizemos que a função é uma medida finitamente aditiva se
e
para todo par disjuntos.
Note que medidas finitamente aditivas podem não ser medidas. A teoria das medidas finitamente aditivas é bastante limitada, pois elas podem não ter a propriedade de serem contínuas por baixo.
Felizmente, se uma medida finitamente aditiva está definida em uma álgebra, é suficiente pedir que seja “-aditiva sempre que possível” para garantir que ela não apresente anomalias.
Dado um espaço amostral e uma álgebra , dizemos que uma medida finitamente aditiva é uma pré-medida
se for -aditiva, isto é, para toda família enumerável de conjuntos disjuntos cuja união esteja em .
(Teorema de Extensão de Carathéodory).
Seja uma álgebra em e uma pré-medida em .
Então existe uma medida em tal que para todo .
Ademais, se para alguma sequência de conjuntos em , então há uma única medida com essa propriedade.
A demonstração será dada mais abaixo.
Agora fixe e seja , a classe dos intervalos contidos em , abertos à esquerda e fechados à direita. Definimos como a classe de todos os conjuntos que podem ser escritos como união disjunta e finita de elementos de .
Observe que é uma álgebra em .
Vamos definir uma pré-medida em da seguinte maneira.
Dado com ,
definimos
Afirmamos que a fórmula acima está bem definida ainda que possa ser escrito de muitas formas diferentes como união finita disjunta de elementos de .
Omitimos a tediosa prova deste fato, mas enfatizamos uma consequência importante, que a função é finitamente aditiva.
.
A função é uma pré-medida.
Demonstração.
É suficiente mostrar que, se e para todo , então .
Com efeito, dados conjuntos disjuntos em tais que , podemos definir de forma que , e .
Vamos mostrar por contraposição.
Seja uma sequência decrescente com para todo .
Vamos provar que .
Para cada , podemos tomar tal que e , basta fazer os intervalos um pouco mais curtos do lado esquerdo.
Pela aditividade de em , temos para cada .
Por outro lado, , logo , e como , temos .
Definimos então .
Como os são conjuntos compactos,
pelo Teorema A.15.
Portanto, , concluindo a prova.
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Combinando o lema acima com o Teorema de Extensão de Carathéodory, podemos estender a .
Munidos da existência de tal medida, podemos finalmente justificar a existência da medida de Lebesgue em .
Demonstração do Teorema 1.51.
Para todo , podemos definir a medida em por , onde é a medida em obtida acima, e finalmente .
Observe que é uma medida.
Observe também que para todo .
Unicidade segue do Teorema 3.37 (unicidade de medidas): consideramos novamente o -sistema , observamos que , e que são conjuntos em de medida finita cuja união é .
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No resto desta seção, vamos provar o Teorema de Extensão de Carathéodory.
Para cada subconjunto de , consideramos a coleção de todas as sequências de conjuntos em que cobrem :
(Medida exterior).
Seja uma pré-medida em .
Definimos a medida exterior como
Podemos pensar na medida exterior como uma forma de medir o conjunto visto de fora.
Observe que ela está definida para qualquer subconjunto de e não apenas para os elementos de .
(Propriedades da medida exterior).
A medida exterior satisfaz:
-
(1)
Para todos , ,
-
(2)
Para subconjuntos de , vale ,
-
(3)
Para , vale .
Demonstração.
Se , então , o que implica .
Provaremos agora que .
Seja .
Para cada , pela definição de podemos tomar em tais que e .
Como , pela definição de temos que .
Como é arbitrário, a desigualdade segue.
Finalmente provaremos que para . Que segue imediatamente tomando-se . Mostraremos que usando a hipótese de que é -aditiva em . Seja . Tome , de forma que eles formam uma partição de . Logo, . Como isso vale para qualquer , temos , concluindo a prova.
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Informalmente, os conjuntos problemáticos são maiores quando vistos por fora do que por dentro. Tentaremos excluir esse tipo de problema considerando conjuntos tais que, para todo , vale que
Os conjuntos satisfazendo a essa condição são chamados -mensuráveis, e denota a coleção desses conjuntos; isto é,
A segunda propriedade listada no lema acima implica que
de forma que os conjuntos problemáticos são aqueles para os quais a desigualdade acima é estrita para algum .
(Carathéodory).
A classe de conjuntos -mensuráveis é uma -álgebra em que contém , e a restrição de a é uma medida.
Demonstração.
Faremos uso extensivo do Lema D.9.
Vamos provar primeiro que .
Sejam , e .
Pela definição de existem com e .
Logo,
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onde na segunda desigualdade usamos subaditividade de duas vezes e na primeira igualdade, o fato de que em .
Como é arbitrário, temos que , logo .
Agora provaremos que é uma -álgebra e é -aditiva em .
Passo 1. A classe é uma álgebra.
Trivialmente, e para todo . Sejam , usando a subaditividade de obtemos
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logo ; concluindo que é uma álgebra.
Passo 2. Sejam disjuntos.
Mostraremos que
para todo .
Com efeito, como , temos que
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onde a última igualdade é devida ao fato que e são disjuntos. Utilizando o mesmo argumento para , depois , e assim por diante até , obtemos a identidade desejada.
Passo 3.
Sejam disjuntos.
Mostraremos que e .
Para isso, vamos mostrar que
onde .
As duas primeiras desigualdades seguem da subaditividade de .
Para mostrar a última desigualdade, definindo , temos
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onde a primeira igualdade segue do Passo 1, pois , e a segunda igualdade segue do Passo 2.
Isso conclui a demonstração do Passo 3.
Como é uma álgebra fechada por uniões enumeráveis de conjuntos disjuntos, é um -sistema fechado por interseções, logo, pelo Lema D.4, é uma -álgebra.
Como é -aditiva em , isso conclui a prova da proposição.
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Demonstração do Teorema de Extensão de Carathéodory.
Observe que, pela Proposição D.10, , logo . Ademais, , restrita a , é -aditiva, logo é uma medida. Além disso, , restrita a , coincide com . Isso prova a parte de existência.
Para unicidade, suponha que seja -finita, de forma que exista uma coleção enumerável em tal que para todo , e .
Da Definição D.8, para cada existe uma coleção enumerável tal que e . Reindexando essa coleção enumerável como e definindo , temos que , e .
Observando-se que é um -sistema, segue do Teorema 3.37 (unicidade de medidas) que é a única medida em que coincide com em , concluindo essa demonstração.
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