13.1 Álgebras e espaços de sequências

Começamos pelo espaço de sequências infinitas. Denotamos o conjunto de todas as sequências de números reais por

={𝒙=(x1,x2,x3,):xn para todo n}.\mathbb{R}^{\mathbb{N}}=\{{{\boldsymbol{x}}}=(x_{1},x_{2},x_{3},\dots):x_{n}% \in\mathbb{R}\text{ para todo }n\in\mathbb{N}\}.

Dizemos que um conjunto AA\subseteq\mathbb{R}^{\mathbb{N}} é um conjunto cilíndrico se

A={𝒙=(xn)n:(x1,x2,xk)B}A=\{{{\boldsymbol{x}}}=(x_{n})_{n}\in\mathbb{R}^{\mathbb{N}}:(x_{1},x_{2}\dots% ,x_{k})\in B\}

para algum kk\in\mathbb{N} e B(k)B\in\mathcal{B}(\mathbb{R}^{k}).

Definição 13.1 (Conjuntos borelianos em \mathbb{R}^{\mathbb{N}}).

Definimos a σ\sigma-álgebra de Borel em \mathbb{R}^{\mathbb{N}}, denotada por ()\mathcal{B}(\mathbb{R}^{\mathbb{N}}), como a σ\sigma-álgebra gerada pela classe dos conjuntos cilíndricos.

Observe que a projeção de \mathbb{R}^{\mathbb{N}} em \mathbb{R} que leva 𝒙{{\boldsymbol{x}}} em sua nn-ésima coordenada xnx_{n} é uma função mensurável em \mathbb{R}^{\mathbb{N}}, pois {𝒙:xnB}\{{{\boldsymbol{x}}}:x_{n}\in B\} é um conjunto cilíndrico para todo B()B\in\mathcal{B}(\mathbb{R}).

Definição 13.2.

Dado um espaço amostral Ω\Omega e uma família de funções (fα)αΛ(f_{\alpha})_{\alpha\in\Lambda} de Ω\Omega em \mathbb{R}, dizemos que AΩA\subseteq\Omega é cilíndrico com respeito a (fα)αΛ(f_{\alpha})_{\alpha\in\Lambda} se existem kk\in\mathbb{N}, α1,,αkΛ\alpha_{1},\dots,\alpha_{k}\in\Lambda e B(k)B\in\mathcal{B}(\mathbb{R}^{k}) tais que A={ωΩ:(fα1(ω),,fαk(ω))B}A=\{\omega\in\Omega:(f_{\alpha_{1}}(\omega),\dots,f_{\alpha_{k}}(\omega))\in B\}. Definimos σ((fα)αΛ)\sigma\big{(}(f_{\alpha})_{\alpha\in\Lambda}\big{)} como a σ\sigma-álgebra gerada pelos conjuntos cilíndricos com respeito a (fα)αΛ(f_{\alpha})_{\alpha\in\Lambda}. A σ\sigma-álgebra σ((fα)αΛ)\sigma\big{(}(f_{\alpha})_{\alpha\in\Lambda}\big{)} é a menor σ\sigma-álgebra em Ω\Omega para a qual todas as fαf_{\alpha} são mensuráveis.

Em geral, a classe dos conjuntos cilíndricos não forma uma σ\sigma-álgebra. Por isso, consideramos uma estrutura mais simples.

Definição 13.3 (Álgebra).

Uma classe 𝒜\mathcal{A} de subconjuntos de Ω\Omega é chamada uma álgebra em Ω\Omega se

  1. (1)

    Ω𝒜\Omega\in\mathcal{A},

  2. (2)

    Ac𝒜A^{c}\in\mathcal{A} para todo A𝒜A\in\mathcal{A},

  3. (3)

    AB𝒜A\cup B\in\mathcal{A} para todos A,B𝒜A,B\in\mathcal{A}.

É muito útil poder trabalhar com álgebras por pelo menos dois motivos: os elementos de uma álgebra costumam ser muito mais simples de descrever e estudar, e algumas classes importantes de conjuntos são álgebras mas não são σ\sigma-álgebras. Por exemplo, a classe dos conjuntos cilíndricos com respeito a (fα)αΛ(f_{\alpha})_{\alpha\in\Lambda} é uma álgebra mas não é uma σ\sigma-álgebra, assim como a classe dos conjuntos cilíndricos de \mathbb{R}^{\mathbb{N}}.

Mas o que significa poder trabalhar com álgebras? Significa que conjuntos de uma σ\sigma-álgebra podem ser aproximados, em um sentido bastante forte, por conjuntos de uma álgebra, como veremos a seguir.

Definição 13.4 (Diferença simétrica).

Dados dois conjuntos AA e BB, a sua diferença simétrica ABA\triangle B é definida como AB=(AB)(BA)A\triangle B=(A\setminus B)\cup(B\setminus A).

Observe que a diferença simétrica satisfaz um análogo da desigualdade triangular: AC(AB)(BC)A\triangle C\subseteq(A\triangle B)\cup(B\triangle C), e também satisfaz AcBc=ABA^{c}\triangle B^{c}=A\triangle B e (nAn)(nBn)n(AnBn)(\cup_{n}A_{n})\triangle(\cup_{n}B_{n})\subseteq\cup_{n}(A_{n}\triangle B_{n}) (verifique essas três propriedades!).

Teorema 13.5 (Aproximação por álgebras).

Sejam (Ω,,)(\Omega,\mathcal{F},\mathbb{P}) um espaço de probabilidade e 𝒜\mathcal{A}\subseteq\mathcal{F} uma álgebra. Então, dados quaisquer Bσ(𝒜)B\in\sigma(\mathcal{A}) e ε>0\varepsilon>0, existe A𝒜A\in\mathcal{A} tal que (AB)<ε.\mathbb{P}(A\triangle B)<\varepsilon.

Demonstração.

Seja 𝒞\mathcal{C} a classe dos conjuntos que satisfazem à afirmação do teorema: 𝒞={B:ε>0,A𝒜 com (AB)<ε}.\mathcal{C}=\{B\in\mathcal{F}:\forall\varepsilon>0,\ \exists A\in\mathcal{A}% \text{ com }\mathbb{P}(A\triangle B)<\varepsilon\}. Observe que 𝒜𝒞\mathcal{A}\subseteq\mathcal{C}, pois (AA)=(∅︀)=0\mathbb{P}(A\triangle A)=\mathbb{P}(\emptyset)=0. Logo, basta mostrar que 𝒞\mathcal{C} é uma σ\sigma-álgebra. É imediato que ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C}, pois (∅︀∅︀)=0\mathbb{P}(\emptyset\triangle\emptyset)=0. Se C𝒞C\in\mathcal{C}, então dado ε>0\varepsilon>0, existe A𝒜A\in\mathcal{A} tal que (AC)<ε\mathbb{P}(A\triangle C)<\varepsilon; como AcCc=ACA^{c}\triangle C^{c}=A\triangle C e Ac𝒜A^{c}\in\mathcal{A}, segue que Cc𝒞C^{c}\in\mathcal{C}. Para concluir que 𝒞\mathcal{C} é uma σ\sigma-álgebra, falta mostrar que 𝒞\mathcal{C} é fechado por uniões enumeráveis. Sejam C1,,Cn,𝒞C_{1},\dots,C_{n},\dots\in\mathcal{C} e ε>0\varepsilon>0. Defina C=n=1+CnC=\cup_{n=1}^{+\infty}C_{n} e tome nn\in\mathbb{N} tal que (C(k=1nCk))<ε2\mathbb{P}\left(C\setminus(\cup_{k=1}^{n}C_{k})\right)<\frac{\varepsilon}{2}. Tome A1,A2,,An𝒜A_{1},A_{2},\dots,A_{n}\in\mathcal{A} tais que (AkCk)<ε2n\mathbb{P}(A_{k}\triangle C_{k})<\frac{\varepsilon}{2n}, para todo k=1,,nk=1,\dots,n. Observando que

(k=1nAk)(k=1+Ck)(k=1n(AkCk))(C(k=1nCk)),(\cup_{k=1}^{n}A_{k})\triangle(\cup_{k=1}^{+\infty}C_{k})\subseteq\left(\cup_{% k=1}^{n}(A_{k}\triangle C_{k})\right)\cup\left(C\setminus(\cup_{k=1}^{n}C_{k})% \right),

por subaditividade obtemos

((k=1nAk)(k=1+Ck))k=1n(AkCk)+(C(k=1nCk))<ε.\mathbb{P}\left((\cup_{k=1}^{n}A_{k})\triangle(\cup_{k=1}^{+\infty}C_{k})% \right)\leqslant\sum_{k=1}^{n}\mathbb{P}(A_{k}\triangle C_{k})+\mathbb{P}\left% (C\setminus(\cup_{k=1}^{n}C_{k})\right)<\varepsilon.

Portanto, C𝒞C\in\mathcal{C}, o que completa a prova de que 𝒞\mathcal{C} é uma σ\sigma-álgebra. ∎

O uso mais frequente do teorema acima é quando queremos aproximar um boreliano de \mathbb{R}^{\mathbb{N}} por conjuntos cilíndricos.