11.4 Esperança condicional dada uma -álgebra
Na Seção 11.1, mencionamos que partições mais finas que outras codificam uma situação em que se tem acesso a mais informação. Pensamos em “informação” como a coleção de eventos cuja ocorrência é acessível a um determinado observador. A forma mais geral de representar informação, quando tem-se acesso a infinitos eventos, é através de uma -álgebra. Sejam um espaço de probabilidade, uma variável aleatória e uma -álgebra mais grosseira que , isto é, . Não há motivo algum para que seja também mensurável com respeito à -álgebra . Em outras palavras, não há motivo para que a informação codificada por , que é mais grosseira que , seja suficiente para determinar o valor de . Uma pergunta natural surge: qual seria a melhor variável aleatória -mensurável que poderia aproximar em algum sentido? Reformulando a pergunta: qual a melhor aproximação para quando temos acesso à informação codificada por ? Nesta seção, daremos esta resposta. Trata-se de um conceito bastante abstrato, porém dos mais úteis e importantes em Probabilidade.
Teorema 11.39 (Esperança condicional dada uma -álgebra).
Sejam um espaço de probabilidade, uma variável aleatória estendida integrável ou não-negativa, e uma -álgebra. Então existe uma variável aleatória estendida que é -mensurável e satisfaz
Dizemos que uma variável aleatória estendida com essas duas propriedades é uma esperança condicional de dado , e a denotamos por .
A prova será dada na próxima seção.
Observação 11.41.
A esperança condicional é única no seguinte sentido. Se e são duas esperanças condicionais de dado , então, pela Proposição 5.76, q.c. Como a condição (11.40) é insensível ao que acontece em conjuntos de medida nula, somente podemos esperar unicidade nesse sentido. Por isso, toda afirmação a respeito de virá com um quantificador de que vale quase certamente. ∎
Observação 11.42.
Se é integrável, então também é integrável e podemos supor que é uma variável aleatória real (não assume valores infinitos). Se é não-negativa, pelo Exercício 5.64 podemos assumir que assume valores em . ∎
Tomando em (11.40), obtemos a propriedade da esperança iterada:
Outra propriedade da esperança condicional é que, se é -mensurável, então q.c.
Uma vantagem da definição de esperança condicional de uma variável aleatória estendida dada uma -álgebra é a sua generalidade, pois, como dissemos acima, -álgebras são a ferramenta ideal para codificar informação. Com efeito, os objetos definidos nas duas seções anteriores são casos particulares da definição abaixo, como será justificado na Seção 11.6. A esperança condicional dada uma partição também é um caso particular, o que segue de (11.10).
No restante desta seção, assumimos que é um espaço de probabilidade fixado.
Definição 11.43.
Dadas duas variáveis aleatórias estendidas e tais que é integrável ou não-negativa, definimos a esperança condicional de dada por
ou seja, é a esperança condicional dada a -álgebra gerada por .
Teorema 11.44 (Propriedades da esperança condicional).
Sejam e variáveis aleatórias integráveis, uma -álgebra e . Então:
-
(1)
q.c.
-
(2)
Se q.c., então q.c.
-
(3)
q.c.
Essas propriedades também valem para variáveis aleatórias estendidas não-negativas e com constantes .
Demonstração.
Para o item (1), observe que a variável constante é -mensurável e para todo .
O teorema seguinte nos diz que, se o valor de uma variável aleatória estendida é determinado pela informação codificada pela -álgebra em questão, então ela sai da esperança condicional como se fosse uma constante. O Teorema 11.8 é um caso particular.
Teorema 11.45.
Se é -mensurável, e , então
O mesmo vale se e são não-negativas.
Demonstração.
Consideramos primeiro o caso em que e são não-negativas. Seja . Tomando para algum ,
Por linearidade, se é uma variável aleatória simples -mensurável, vale
Tomando , pelo Teorema da Convergência Monótona obtemos
o que conclui a prova já que é -mensurável.
Consideramos agora o caso em que e são integráveis. Queremos mostrar que vale a identidade acima para todo . Escrevendo e e observando que , é suficiente mostrar que
mas isso segue diretamente do caso anterior. ∎
O teorema seguinte generaliza o Teorema 11.11.
Teorema 11.46 (Esperança condicional iterada).
Seja uma -álgebra tal que , e uma variável aleatória estendida integrável ou não-negativa. Então valem as seguintes identidades:
-
(1)
q.c.
-
(2)
q.c.
Uma interpretação visual do teorema acima no caso de -álgebras geradas por finitos eventos é dada na Figura 11.2.
Demonstração.
Para clarificar, escrevemos e . Para a primeira igualdade, basta observar que é -mensurável, donde q.c. Provemos agora a segunda igualdade. Seja . Pela definição de , temos Por outro lado, como , pela definição de temos Como é -mensurável e para todo , concluímos que q.c. ∎
Definição 11.47.
Dizemos que uma variável aleatória estendida é independente da -álgebra se e são independentes para todos e .
Proposição 11.48.
Se é é uma variável aleatória estendida integrável ou não-negativa, e é independente de , então q.c.
Demonstração.
Pela independência de e , temos, para todo ,
e, sendo constante, é -mensurável, o que conclui a prova. ∎
Os teoremas de convergência da integral, vistos na Seção 5.5, também têm seus análogos no contexto de esperança condicional. Nos três teoremas abaixo, , e denotam variáveis aleatórias definidas num mesmo espaço de probabilidade.
Teorema 11.49 (Convergência Monótona).
Sejam e variáveis aleatórias estendidas não-negativas tais que q.c. Seja uma -álgebra. Então q.c.
Demonstração.
Tome , que é -mensurável. Como q.c., segue que q.c. Para ,
e, aplicando o Teorema da Convergência Monótona em ambos os lados,
donde q.c. ∎
Teorema 11.50 (Lema de Fatou).
Sejam uma sequência de variáveis aleatórias estendidas não-negativas e uma -álgebra . Então q.c.
A demonstração é análoga à do Teorema 5.69, trocando-se por .
Teorema 11.51 (Convergência Dominada).
Sejam , e variáveis aleatórias estendidas e uma -álgebra . Se q.c. e q.c. para alguma integrável, então q.c.
A demonstração é análoga à do Teorema 5.70, trocando-se por .
Teorema 11.52 (Desigualdade de Jensen).
Sejam uma -álgebra, um intervalo aberto, uma função convexa, e uma variável aleatória que assume valores em . Suponha que e sejam integráveis. Então
Demonstração.
A prova é análoga à demonstração do Teorema 6.23, porém há que se contornar algumas complicações técnicas. Para cada fixo, existe tal que para todo . Como a função que leva em é não-decrescente, também é mensurável.
Suponhamos inicialmente que essa função seja limitada. Tomando , e observando que e são -mensuráveis, pelo Teorema 11.45
onde a primeira igualdade acima é devida ao Teorema 11.45.
Consideremos agora o caso geral. Somando uma constante a , podemos supor que . Subtraindo , podemos supor que para todo . Tome com . Para cada fixo, definimos para , para e para . Observe que as funções são convexas, não-negativas, e satisfazem . Ademais, suas respectivas são limitadas a , donde . Como , pelo Teorema da Convergência Monótona, , concluímos que . ∎
Teorema 11.53 (Contração em ).
Se e é integrável, então
Demonstração.
Primeiro, é integrável pois para todo . Pela desigualdade de Jensen, pois é convexa. Tomando esperança iterada, segue a desigualdade desejada. ∎