11.5 Teorema de Radon-Nikodým

Esta seção é de natureza um pouco mais abstrata, onde mostraremos a existência da esperança condicional de uma variável aleatória dada uma σ\sigma-álgebra. Para isto faremos uso de uma das mais importantes ferramentas da Teoria da Medida, e que desempenha um papel fundamental na Teoria da Probabilidade, o Teorema de Radon-Nikodým, que será enunciado aqui e demonstrado no Apêndice D.5.

Sejam μ\mu um medida definida em (Ω,)(\Omega,\mathcal{F}) e f:Ω[0,+]f:\Omega\to[0,+\infty] uma função mensurável. Vimos na Seção 5.5.5 que

ν(A)=Afdμ\nu(A)=\int_{A}f\,\mathrm{d}\mu

define uma nova medida em (Ω,)(\Omega,\mathcal{F}). Além disso, pela Proposição 5.67, ν(A)=0\nu(A)=0 para todo AA\in\mathcal{F} tal que μ(A)=0\mu(A)=0.

A próxima definição será crucial no papel de comparar medidas.

Definição 11.54 (Medidas absolutamente contínuas).

Sejam ν\nu e μ\mu medidas definidas em um mesmo espaço mensurável (Ω,)(\Omega,\mathcal{F}). Dizemos que a medida ν\nu é absolutamente contínua com respeito à medida μ\mu, o que denotamos por νμ\nu\ll\mu, se ν(A)=0\nu(A)=0 para todo AA\in\mathcal{F} tal que μ(A)=0\mu(A)=0.

Gostaríamos de saber se a recíproca seria verdadeira, isto é, se νμ\nu\ll\mu, então a medida ν\nu poderia ser expressa como a integral de Lebesgue de alguma função f:Ω[0,+]f:\Omega\to[0,+\infty] mensurável?

O próximo teorema nos fornece a resposta. O Teorema de Radon-Nikodým nos diz quando uma medida ν\nu pode ser expressa em termos de uma outra medida μ\mu, ponderada por uma função, que denotaremos por dνdμ\frac{\mathrm{d}\nu}{\mathrm{d}\mu} e chamaremos de derivada de Radon-Nikodým de ν\nu com respeito a μ\mu, conforme introduzido na Seção 5.5.5.

Teorema 11.55 (Teorema de Radon-Nikodým).

Sejam ν\nu e μ\mu medidas σ\sigma-finitas definidas em um mesmo espaço mensurável (Ω,)(\Omega,\mathcal{F}). Então, νμ\nu\ll\mu se e somente se existe uma função mensurável f:Ω[0,+)f:\Omega\to[0,+\infty) tal que

ν(A)=Afdμ,A.\nu(A)=\int_{A}f\,\mathrm{d}\mu,\ \forall A\in\mathcal{F}.

A prova será dada no Apêndice D.5.

Antes de falar de esperança condicional, vejamos como o Teorema de Radon-Nikodým justifica algumas afirmações feitas no Capítulo 3.

Na Seção 3.5, demos a entender que, se XX é uma variável aleatória que não tem densidade, então existe um conjunto BB\in\mathcal{B} tal que m(B)=0m(B)=0 e (XB)>0\mathbb{P}(X\in B)>0. Naquele ponto não tínhamos as ferramentas para provar essa propriedade, mas agora vemos que isso decorre do Teorema de Radon-Nikodým. Com efeito, a inexistência de tal conjunto BB é equivalente a Xm\mathbb{P}_{X}\ll m, o que por sua vez é equivalente à existência de uma densidade dXdm\frac{\mathrm{d}\mathbb{P}_{X}}{\mathrm{d}m}.

No final da Seção 3.4, dissemos que, dada uma variável XX com densidade fXf_{X}, e dado um evento AA\in\mathcal{F} tal que (A)>0\mathbb{P}(A)>0, sempre existe a densidade condicional fX|Af_{X|A}. Isso pode ser demonstrado usando-se o Teorema de Radon-Nikodým. Com efeito, se XX é absolutamente contínua, então para todo BB\in\mathcal{B} tal que m(B)=0m(B)=0, temos (XB|A)(XB)(A)=0\mathbb{P}(X\in B|A)\leqslant\frac{\mathbb{P}(X\in B)}{\mathbb{P}(A)}=0, logo XX também será absolutamente contínua sob a medida (|A)\mathbb{P}(\,\cdot\,|A), o que implica a existência de fX|Af_{X|A} tal que (XB|A)=BfX|Adx\mathbb{P}(X\in B|A)=\int_{B}f_{X|A}\,\mathrm{d}x para todo BB\in\mathcal{B}.

Concluímos esta seção com a prova do Teorema 11.39.

Demonstração do Teorema 11.39.

Consideremos inicialmente o caso em que XX é não-negativa e integrável. Definimos a medida ν\nu no espaço mensurável (Ω,𝒢)(\Omega,\mathcal{G}) como

ν(A)=AXd para cada A𝒢.\nu(A)=\int_{A}X\,\mathrm{d}\mathbb{P}\ \text{ para cada }A\in\mathcal{G}.

Como ν(Ω)=𝔼X<\nu(\Omega)=\mathbb{E}X<\infty, temos que ν\nu é σ\sigma-finita. No espaço de probabilidade (Ω,𝒢,)(\Omega,\mathcal{G},\mathbb{P}), temos que ν\nu\ll\mathbb{P} (aqui cometemos um pequeno abuso de notação ao denotar também por \mathbb{P} a restrição de \mathbb{P} à σ\sigma-álgebra 𝒢\mathcal{G}). Pelo Teorema de Radon-Nikodým, a derivada dνd:Ω[0,+)\frac{\mathrm{d}\nu}{\mathrm{d}\mathbb{P}}:\Omega\to[0,+\infty) é 𝒢\mathcal{G}-mensurável. Tome Z=dνdZ=\frac{\mathrm{d}\nu}{\mathrm{d}\mathbb{P}}. Como ZZ é 𝒢\mathcal{G}-mensurável e satisfaz (11.40), isso conclui a prova.

Supomos agora que XX seja integrável. Pelo caso anterior, existem variáveis aleatórias integráveis 𝔼[X+|𝒢]\mathbb{E}[X^{+}|\mathcal{G}] e 𝔼[X|𝒢]\mathbb{E}[X^{-}|\mathcal{G}] tais que A𝔼[X±|𝒢]d=AX±d\int_{A}\mathbb{E}[X^{\pm}|\mathcal{G}]\,\mathrm{d}\mathbb{P}=\int_{A}X^{\pm}% \,\mathrm{d}\mathbb{P} para todo A𝒢A\in\mathcal{G}. Definindo Z=𝔼[X+|𝒢]𝔼[X|𝒢]Z=\mathbb{E}[X^{+}|\mathcal{G}]-\mathbb{E}[X^{-}|\mathcal{G}], obtemos,

AZd\displaystyle\int_{A}Z\,\mathrm{d}\mathbb{P} =A𝔼[X+|𝒢]dA𝔼[X|𝒢]d\displaystyle=\int_{A}\mathbb{E}[X^{+}|\mathcal{G}]\,\mathrm{d}\mathbb{P}-\int% _{A}\mathbb{E}[X^{-}|\mathcal{G}]\,\mathrm{d}\mathbb{P}
=AX+dAXd=AXd\displaystyle=\int_{A}X^{+}\,\mathrm{d}\mathbb{P}-\int_{A}X^{-}\,\mathrm{d}% \mathbb{P}=\int_{A}X\,\mathrm{d}\mathbb{P}

para todo A𝒢A\in\mathcal{G}, o que está bem definido pois todas as variáveis aleatórias envolvidas são integráveis. Portanto ZZ cumpre as duas condições do teorema.

Por último, supomos que XX seja não-negativa mas não necessariamente integrável. Tomamos uma sequência 0XnX0\leqslant X_{n}\uparrow X onde XnX_{n} são variáveis aleatórias simples não-negativas. Pelo caso anterior, existe 𝔼[Xn|𝒢]\mathbb{E}[X_{n}|\mathcal{G}] para todo nn. Como na demonstração do Teorema 11.49, 𝔼[Xn|𝒢]Z\mathbb{E}[X_{n}|\mathcal{G}]\uparrow Z para alguma variável aleatória estendida ZZ que é 𝒢\mathcal{G}-mensurável e satisfaz AXd=AZd,\int_{A}X\mathrm{d}\mathbb{P}=\int_{A}Z\mathrm{d}\mathbb{P}, para todo A𝒢A\in\mathcal{G}. Ou seja, ZZ cumpre as duas condições do teorema, o que conclui esta demonstração. ∎