3.5 Distribuições mistas e singulares
Uma variável aleatória discreta vive em um conjunto enumerável de pontos, cada um dos quais tem probabilidade de ocorrência positiva. Nesse contexto, tudo se expressa em termos de somatórios ponderados pela função .
Uma variável aleatória com densidade vive em , sua distribuição em cada intervalo é similar à de uma distribuição uniforme em , exceto que seu peso é ponderado por um fator . Nesse contexto, tudo se expressa em termos de integrais do elemento infinitesimal de probabilidade dado por .
Existem variáveis aleatórias que são misturas dos tipos discreto e absolutamente contínuo. Mais precisamente, dizemos que é uma variável aleatória mista com componentes discreta com função de probabilidade e absolutamente contínua com densidade se
Neste caso, suas propriedades serão determinadas por combinações de somatórios e integrais. Formalmente, se é absolutamente contínua com densidade , podemos dizer que é mista tomando ; analogamente se é discreta com função , é um caso particular de variável mista com .
Exemplo 3.34.
Sejam e . Neste caso, é uma variável aleatória mista com função de distribuição dada por
Logo, as componentes discreta e absolutamente contínua de são as funções
Há uma outra categoria bastante curiosa de variáveis aleatórias. São variáveis aleatórias cuja função de distribuição é contínua, logo não há uma componente discreta, mas tampouco possuem função de densidade, ou seja não há componente absolutamente contínua. Tais variáveis são ditas singulares.
Exemplo 3.35 (Distribuição de Cantor).
Começamos definindo uma função com propriedades diabólicas (que será uma “inversa” da chamada “função de Cantor”). Dado , escreva na base , ou seja, cada dígito é um número em . Caso tenha mais de uma expansão binária, escolhemos a que termina com infinitos dígitos “1” ao invés da expansão finita. O número é definido tomando-se , e escrevendo-se na base .
Afirmamos que é injetiva. Com efeito, suponha que . Então existe tal que , , e para todo . Ademais, existe tal que , pois não temos expansões finitas. Vamos mostrar que , onde e . Como justificado acima, para , , , e . Daí segue que , provando a injetividade. Afirmamos também que não toma valores em . Com efeito, os números são exatamente os números com primeiro dígito (note que e ). Logo, a imagem de está contida em um conjunto de comprimento . Da mesma forma, não toma valores em ou , pois estes são os números cujos dois primeiros dígitos são e . Logo, a imagem de , que denotamos , está contida em um conjunto de comprimento . Procedendo desta maneira, vemos que a está contido em um conjunto de comprimento para qualquer e, portanto, tem “comprimento” zero.
Agora seja uma variável aleatória com distribuição uniforme em , e tome . Como é contínua e é injetiva, para qualquer , ou seja, é contínua. Entretanto, , e tem “comprimento” zero, logo não pode ter densidade. ∎
Vemos que a variável aleatória do exemplo acima ocupa um lugar estranho entre as discretas e as absolutamente contínuas. Por um lado, nenhum ponto em particular tem probabilidade positiva de ocorrer, isto é , o que afasta operações com somatórios como no caso discreto. Por outro lado, essa variável aleatória vive em um conjunto pequeno da reta (mais precisamente em , que tem “comprimento” zero), não sendo aplicável tampouco o uso de integrais em para nenhuma .