10.3 Unicidade e convergência
Nesta seção provaremos o Teorema da Unicidade e o Teorema da Continuidade de Lévy. A maior parte desta seção será uma continuação da Seção 7.4, em que vamos estabelecer propriedades de convergência em distribuição de variáveis aleatórias análogas às de convergência de números reais.
Teorema 10.36 (Teorema da Seleção de Helly).
Dada uma sequência de funções de distribuição, existem uma subsequência e uma função não-decrescente e contínua à direita tal que quando , para todo ponto de continuidade de .
Demonstração.
Seja um conjunto denso em . Como é uma sequência limitada ao intervalo , existe uma subsequência de tal que , quando , para algum número . Da mesma maneira, existe uma subsequência de tal que para algum número . Por conveniência, podemos supor que e . Prosseguindo recursivamente, para todo existe subsequência de tal que para e tal que para algum número . A subsequência desejada é definida tomando-se para todo . Observe que, para cada , é subsequência de , donde quando . Ademais, é não-decrescente.
Defina . Note que é não-decrescente por inclusão, e é contínua à direita, pois sempre que . Resta mostrar que para todo ponto onde é contínua. Sejam e ponto de continuidade. Tome tal que , e tome tais que . Pela definição de e como é não-decrescente, . Daí segue que, para todo suficientemente grande, e, como a função é não-decrescente, ; o que conclui esta demonstração. ∎
Observe que o Teorema de Seleção de Helly não garante que a função limite seja uma função de distribuição. Intuitivamente, isso pode falhar porque é possível deixar massa escapar ao infinito. Por exemplo, se , então para todo . A função limite é não-decrescente e contínua à direita, mas não é função de distribuição pois . Nesse exemplo, podemos pensar que da massa escapou para e da massa escaparam para . Por isso introduzimos a seguinte definição.
Definição 10.37.
Dada uma sequência de variáveis aleatórias, dizemos que a sequência está confinada se, para todo , existe um conjunto compacto tal que para todo .
Podemos agora enunciar o seguinte corolário do Teorema de Seleção de Helly.
Corolário 10.38.
Seja uma sequência confinada de variáveis aleatórias. Então existem uma subsequência e uma variável aleatória tais que .
Demonstração.
Sejam as respectivas funções de distribuição de . Pelo Teorema da Seleção de Helly, existem uma subsequência e uma função não-decrescente e contínua à direita tais que para todo ponto de continuidade de . Para que seja de fato uma função de distribuição, basta que ela satisfaça . Seja . Tome tal que para todo e tal que sejam pontos de continuidade de . Então , o que conclui a prova. ∎
Como no caso de sequências de números determinísticos, podemos usar o corolário acima para obter outro que permitirá estabelecer convergência de uma sequência olhando para subsequências.
Corolário 10.39.
Seja uma sequência confinada de variáveis aleatórias. Suponha que exista uma variável aleatória tal que para qualquer subsequência que convirja em distribuição. Então .
Demonstração.
Seja contínua e limitada. Pelo Teorema de Helly-Bray, basta mostrar que a sequência numérica converge para . Para isso, basta mostrar que toda subsequência tem uma subsubsequência que converge para (veja Teorema A.8). Seja uma tal subsequência. Pelo Corolário 10.38, existe uma subsubsequência tal que converge em distribuição para alguma variável aleatória. Por hipótese, essa variável aleatória é , ou seja, . Pelo Teorema de Helly-Bray, , como queríamos demonstrar. ∎
De volta à função característica, gostaríamos de um critério para mostrar que uma dada sequência de variáveis aleatórias está confinada.
Lema 10.40.
Seja uma variável aleatória. Para todo , vale a estimativa
Demonstração.
Comutando a esperança e a integral,
pois para todo e se . Comutar a esperança e a integral está justificado pelo Teorema de Tonelli. ∎
A proposição abaixo, junto com o Teorema da Unicidade, permite usar funções características para identificar um limite em distribuição.
Proposição 10.41.
Se , então para todo .
Demonstração.
Seja . Como e são funções contínuas e limitadas de , segue do Teorema de Helly-Bray que e , donde . ∎
Agora estamos prontos para mostrar o Teorema da Continuidade de Lévy. Na verdade enunciaremos e provaremos abaixo uma versão um pouco mais forte que aquela enunciada na seção anterior. Ela nos diz que basta que a sequência de funções características convirja para uma função que seja contínua em , e isto já será suficiente para garantir que o limite das funções características também seja uma função característica. Esta última será a função característica de uma variável aleatória que será o limite em distribuição da sequência .
Teorema 10.42 (Teorema da Continuidade de Lévy).
Sejam variáveis aleatórias e suas respectivas funções características. Se existe para todo real e é contínua em , então existe uma variável aleatória , tal que e .
Demonstração.
Do Lema 10.40 e do Teorema da Convergência Dominada,
para todo . Seja . Como é contínua em , podemos tomar tal que para todo . Assim podemos tomar tal que para todo . Para cada , sempre existe tal que . Tomando , obtemos para todo . Portanto, a sequência está confinada.
Ficou faltando apenas demonstrar o Teorema de Unicidade.
Prova do Teorema de Unicidade.
Basta mostrar que, dados , vale , pois segue que tomando-se . Para isso, vamos aproximar por uma combinação de funções trigonométricas e usar a hipótese de que .
Sejam e . Tome contínua tal que para e para . Seja . Note que é uma função contínua em e .
Pela versão trigonométrica do Teorema de Weierstrass (Teorema A.16), pode ser aproximada em por polinômios trigonométricos. Em particular, existem e tais que a função
assume valores reais e satisfaz
onde a segunda estimativa acima segue da primeira e do fato que é uma função periódica de período . Tomando-se a esperança,
Observe que
Em cada linha acima, a primeira desigualdade é devida à definição de e segunda segue das estimativas em (10.43). Substituindo a identidade (10.44), tomando e depois , chegamos a . De forma idêntica provamos a desigualdade oposta, donde segue que , concluindo a prova. ∎