12.1 Definições e exemplos
Em um espaço de probabilidade , uma filtração é uma sequência de -álgebras contidas em tais que para todo . Uma sequência crescente de -álgebras representa um experimento em que tem-se acesso a mais e mais informação à medida que passa o tempo, representado por . Lembramos que a ideia de “informação” é representada pela classe de eventos cuja ocorrência é acessível a um determinado observador. Por exemplo, imagine que uma moeda será lançada muitas vezes, e acabamos de observar o resultado do primeiro lançamento. Neste caso, particionamos em dois eventos, e nossa informação até este momento é codificada pela -álgebra formada pelos quatro eventos: cara, coroa, o evento certo, e o evento impossível. Após o lançamento da segunda moeda, devemos particionar em quatro eventos, e a -álgebra que codifica a informação observada terá eventos. Após o lançamento da terceira moeda, a -álgebra terá eventos.
Um processo estocástico é uma família indexada de variáveis aleatórias, o índice pode representar uma posição no espaço ou, mais frequentemente, um instante de tempo. Dizemos que o processo é adaptado à filtração se, para todo , é -mensurável.
Em muitos casos, vamos querer que seja independente de , e será útil a seguinte definição. A filtração natural do processo é a filtração dada por . Em palavras, no instante temos a informação dada por e nada mais. Essa é a menor filtração à qual o processo é adaptado.
Observação 12.1.
Se são independentes e é a filtração natural dessa sequência, então é independente de para todo . Esse fato, intuitivamente óbvio, será formalizado no Corolário 13.10. ∎
Todas as definições e enunciados deste capítulo pressupõem que há um espaço de probabilidade e uma filtração subjacentes, mesmo que não se lhes faça referência explícita. Em alguns exemplos pediremos explicitamente que a filtração seja aquela natural de algum processo, como forma de assegurar independência de certos eventos ocorridos no futuro.
Definição 12.2 (Martingale).
Dizemos que um processo adaptado é um martingale se, para todo , é integrável e
quase certamente.
Note que a definição acima pressupõe um espaço e uma filtração fixos, como dito logo antes. Quando for necessário especificar a filtração, diremos que é um martingale com respeito à filtração .
Da equação (12.3) surge a interpretação de que um martingale reflete os ganhos obtidos em um jogo justo: a esperança condicional do capital após a próxima rodada, dada a informação obtida até o presente momento, é igual ao capital acumulado até agora.
Exemplo 12.4.
Seja uma sequência de variáveis aleatórias integráveis e independentes tais que . Considere a filtração natural desse processo. Defina
Então é um martingale (subentende-se que o é com respeito à única filtração mencionada neste exemplo: a filtração natural de ). Veja que é -mensurável pois é dado pela soma de variáveis -mensuráveis, é integrável pois é soma de variáveis integráveis, restando mostrar (12.3). Utilizando as propriedades da esperança condicional com respeito a -álgebras vistas no capítulo anterior, obtemos
As igualdades acima valem porque a esperança condicional é linear, é -mensurável, e é independente de . ∎
No exemplo acima, assim como em várias passagens deste capítulo, usamos implicitamente a Observação 12.1.
Exemplo 12.5.
Sejam variáveis aleatórias integráveis e independentes tais que e considere a sua filtração natural. Defina
Então é um martingale. Novamente, é -mensurável pois é produto de variáveis -mensuráveis, e é integrável pois é produto de variáveis independentes e integráveis. Para mostrar (12.3), veja que
onde as segunda igualdade vale porque é -mensurável e a terceira porque é independente de . ∎
Exemplo 12.6.
Sejam uma variável aleatória integrável e uma filtração qualquer. Defina para todo . Nesse caso, é integrável e -mensurável pela definição de esperança condicional. Para verificar (12.3), veja que
A segunda igualdade acima segue da Esperança Condicional Iterada, observando que . Portanto, é um martingale. ∎
Assim como podemos interpretar um martingale como um jogo justo, a definição abaixo nos diz o que seria o análogo de um jogo favorável ou desfavorável ao apostador.
Definição 12.7 (Submartingale, Supermartingale).
Dizemos que um processo é um submartingale se é adaptado e, para todo , é integrável e
quase certamente. Novamente, deixamos o espaço de probabilidade e a filtração implícitos. Dizemos que é um supermartingale se é um submartingale, ou seja, é adaptado e vale a desigualdade oposta em (12.8). Observe que um martingale é um caso particular de submartingale.
Exemplo 12.9 (O passeio aleatório em ).
Sejam e uma sequência de variáveis aleatórias i.i.d. com distribuição comum , e considere sua filtração natural. Defina para todo . A sequência é chamada de passeio aleatório em . Assim como procedemos no Exemplo 12.4, é -mensurável, integrável, e
Portanto, é um martingale no caso simétrico , um submartingale se e um supermartingale se . ∎
Observe que o exemplo acima é um caso particular do jogo mencionado no início deste capítulo, onde o valor apostado é igual a um em todas as rodadas.
Usaremos inúmeras vezes que se é um submartingale, se é um supermartingale, e se é um martingale. Para verificar que um processo adaptado é um submartingale, basta verificar que q.c., para todo .
Salientamos que quase todos os enunciados que falam de submartingales têm seu análogo para supermartingales e vice-versa.
Proposição 12.10.
Sejam um martingale e convexa tal que é integrável para todo . Então é um submartingale.
Demonstração.
Basta verificar (12.8), que segue de
onde utilizamos a Desigualdade de Jensen para Esperança Condicional. ∎
Exemplo 12.11.
Se , é um martingale, então os processos e são submartingales (com respeito à mesma filtração!). ∎
Proposição 12.12.
Sejam um submartingale e convexa não-decrescente tal que é integrável para todo . Então é um submartingale.
Demonstração.
Como e é não-decrescente, obtemos
onde utilizamos a Desigualdade de Jensen para Esperança Condicional. ∎
Exemplo 12.13.
Se é um submartingale e , então também o é, pois a função é convexa e não-decrescente. ∎