12.4 Convergência quase certa de martingales
Nesta seção veremos que supermartingales cujo primeiro momento é limitado têm que convergir quase certamente. A razão por trás disso é a seguinte. Para que o processo não convirja, deve haver uma faixa tal que ele assuma valores abaixo de e acima de infinitas vezes. Pensemos que um supermartingale reflete o preço de um ativo que, na média, não sobe. Se o preço desse ativo atravessasse a faixa muitas vezes, um investidor poderia acumular lucro comprando uma ação cada vez que o preço está abaixo de e vendendo essa ação cada vez que está acima de . Entretanto, como essa estratégia também resulta em um supermartingale, esse investidor ainda tem lucro médio negativo, o que implica que o preço desse ativo deve ser cada vez mais disperso, no sentido de que . Portanto, exceto nesse caso, o processo tem que convergir.
Teorema 12.27 (Teorema de Convergência de Martingales).
Seja um supermartingale. Se , então existe uma variável aleatória integrável tal que quase certamente. Em particular, todo supermartingale não-negativo converge quase certamente.
Demonstração.
A maior parte da prova consiste em mostrar que
para todo par de números reais .
Sejam números reais. Analisemos a estratégia de comprar em baixa e vender em alta. Para isso, definimos os tempos de parada:
com a convenção de que Uma interpretação é que os tempos indicam os momentos de compra do ativo se for ímpar ou venda se for par. Definimos
com . Observe que é -mensurável, pois
Essa variável indica se o investidor possui uma ação do ativo logo antes do instante .
O processo
descreve a variação do capital entre os instantes e . Definimos, para cada ,
que conta o numero de travessias ascendentes completas do processo sobre o intervalo até o tempo . Observe que
pois é uma cota inferior para o lucro obtido com as vendas em alta e é uma cota superior para a perda acumulada desde a última compra, veja Figura 12.1.
Por outro lado, também é supermartingale. Com efeito,
pois e q.c., já que é um supermartingale. Logo, , donde concluímos que
Agora definimos , que conta as travessias ascendentes completas do processo sobre o intervalo , sem limite de tempo. Pelo Teorema da Convergência Monótona,
que é finito por hipótese. Sendo integrável, é finito quase certamente, o que prova (12.28).
Mostremos agora que converge quase certamente. No evento , existem tais que i.v. e i.v. Como é enumerável, por subaditividade obtemos
Portanto, para alguma variável aleatória estendida . Pelo Lema de Fatou, Ou seja, é integrável, logo quase certamente finito. ∎
Exemplo 12.29 (Processo de ramificação).
Seja uma sequência duplamente indexada de variáveis aleatórias i.i.d. assumindo valores em . Definimos a sequência de variáveis aleatórias , por
Podemos interpretar o processo como um modelo de crescimento populacional: cada indivíduo dá origem à próxima geração e logo desaparece, sendo que a prole gerada por cada indivíduo é independente dos demais e com a mesma distribuição. Deste modo, é o número de indivíduos da -ésima geração. Gostaríamos de determinar se essa população se extingue ou não e, caso não se extingua, como cresce.
Para estudar o crescimento dessa população, vamos supor que as têm segundo momento finito, e denotar sua média por , a variância por e . Defina e
para todo .
Afirmamos que é um martingale com respeito a . Com efeito, é mensurável com respeito a e
onde na primeira igualdade usamos que as variáveis envolvidas são não-negativas e na segunda usamos que e que é independente de . A independência entre e é bastante óbvia, uma justificativa rigorosa será dada pelo Corolário 13.11.
Tomando a esperança na equação acima, é integrável, pois . Substituindo, obtemos , provando que é um martingale.
Passemos então a estudar o comportamento de em termos de .
O caso é o mais fácil. Como , temos que quando pelo Lema de Borel-Cantelli. Ou seja, a população se extinguirá quase certamente.
Consideremos agora o caso . Se , então o processo se torna trivial com para todo q.c. Supomos então que , que neste caso implica . Como é um martingale não-negativo, pelo Teorema de Convergência de Martingales, existe uma variável aleatória , tal que . Como é sempre um número inteiro, para todo grande, quase certamente. Por outro lado, como , temos para todo , pois para todo . Portanto, q.c., e a população se extinguirá nesse caso.
O caso exige mais ferramentas. Pelo Teorema de Convergência de Martingales, para alguma variável aleatória . Se , a população tem chance de se extinguir logo nas primeiras gerações. Por outro lado, no evento , a população não apenas sobrevive como também cresce exponencialmente rápido, pois para todo suficientemente grande. Logo, gostaríamos de mostrar que , o que será feito na próxima seção. ∎
Exemplo 12.30 (Recorrência do passeio aleatório simétrico).
Sejam e . Considere o passeio aleatório simétrico começando de e defina o tempo de parada . Afirmamos que
Podemos supor sem perda de generalidade que e (caso contrário consideramos ou no lugar de ). Pelo Teorema do Martingale Parado, é um martingale. Como , pelo Teorema de Convergência de Martingales, converge quase certamente. Porém, sempre dá saltos de , logo não pode convergir. Logo, a única forma de convergir é que , donde concluímos que este evento é quase certo. Observamos que esta prova da recorrência tem a particularidade de não usar estimativas quantitativas de nenhum tipo. ∎
O exemplo acima é talvez o tipo mais comum de aplicação desta teoria: uma vez que identificamos um martingale, observamos que ele deve convergir quase certamente e tiramos conclusões a partir disso. Abaixo damos exemplos de martingales e submartingales que não convergem.
Exemplo 12.31.
Um exemplo trivial que ilustra a necessidade da hipótese é o submartingale determinístico dado por para todo , que obviamente não satisfaz tal hipótese e não converge. ∎
Exemplo 12.32.
Seja uma sequência independente tal que , e tome . Então é um martingale, q.c. e q.c. ∎
Exemplo 12.33.
Seja uma sequência independente tal que , e . Tome . Então é um martingale e q.c. ∎
Exemplo 12.34.
O passeio aleatório simétrico não converge, pois sempre dá saltos de . Podemos concluir pelo Teorema de Convergência de Martingales que . Ademais, como é um submartingale, é não-decrescente em , logo . ∎