4.1 Vetores aleatórios
Começamos introduzindo o conceito que intitula este capítulo.
Definição 4.1 (Vetor aleatório).
Dizemos que é um vetor aleatório se for variável aleatória para todo .
Dado um espaço de probabilidade e um vetor aleatório , definimos o espaço de probabilidade induzido por como , onde
e é a -álgebra de Borel em , definida na Seção 1.4.1. Ou seja, o espaço amostral é o conjunto dos vetores -dimensionais, os eventos aleatórios são os conjuntos borelianos em , e a medida de probabilidade é aquela induzida por . Chamaremos de distribuição conjunta do vetor aleatório a medida de probabilidade em induzida por . Segue do Lema 3.45 que está definida para todo .
Dada uma -upla de números reais, , denotamos por o conjunto de desigualdades , isto é, se, e somente se, as desigualdades valem para todas as coordenadas simultaneamente.
Definição 4.3 (Função de distribuição conjunta).
A função de distribuição conjunta de um vetor aleatório , denotada por , é a função dada por
Exemplo 4.4.
Lançamos duas moedas honestas e consideramos quantidade de caras, quantidade de coroas, e . Os valores de são mostrados na Figura 4.1.
∎
Teorema 4.5.
Se e são vetores aleatórios tais que para todo , então para todo .
Ou seja, como no caso de variáveis aleatórias, a função de distribuição conjunta determina a distribuição conjunta de um vetor aleatório. Entretanto, não é usual ou prático especificar a partir de uma descrição explícita de . Tampouco existe uma forma natural de simular um vetor aleatório a partir de uma função de distribuição conjunta qualquer usando variáveis uniformes, e não existe uma noção natural de quantil (mediana, quartil, percentil, etc.) de vetores aleatórios. De fato, uma generalização do Teorema 3.17 é complicada e de pouco uso prático. Ainda assim, a função de distribuição conjunta tem propriedades muito úteis, como veremos ao longo desta seção.
A partir da função de distribuição conjunta, pode-se obter o comportamento de cada variável isoladamente. A distribuição de uma das coordenadas obtida a partir da distribuição conjunta é chamada de distribuição marginal.
Proposição 4.6.
Seja a função de distribuição da -ésima coordenada do vetor . Então
em que o limite é tomado em todas as coordenadas, exceto a -ésima.
Demonstração.
Reordenando as coordenadas, podemos supor sem perda de generalidade que , e temos que mostrar que
No primeiro limite, dada tal que , e fixados , temos quando , logo , ou seja,
Tomando tal que , de forma análoga chegamos a
Tomando tal que , e assim sucessivamente, chegamos a (4.7), o que conclui a demonstração. ∎
Exemplo 4.8.
No Exemplo 4.4, tomando o limite em cada variável temos
e, similarmente, encontramos a mesma expressão para . ∎
Definição 4.9 (Variáveis aleatórias independentes).
Dizemos que as variáveis aleatórias são independentes se
para todos . Dito de forma mais sofisticada,
Se é uma coleção qualquer de índices, dizemos que a família de variáveis são independentes se são independentes para todo e toda escolha distintos.
Dada uma família de variáveis aleatórias independentes, qualquer subfamília é também formada por variáveis aleatórias independentes.
Muitas vezes vamos considerar famílias de variáveis aleatórias que, além de serem independentes, têm a mesma distribuição, o que chamamos de independentes e identicamente distribuídas, ou simplesmente i.i.d.
Proposição 4.10 (Critério de independência).
Seja um vetor aleatório. Então são independentes se, e somente se, para todo .
Demonstração.
Assim como fizemos no caso de independência de eventos, podemos definir independência duas a duas para famílias de variáveis aleatórias.
Definição 4.11.
Seja uma coleção qualquer de índices e uma família de variáveis aleatórias. Dizemos que as variáveis são independentes duas a duas se e são independentes para quaisquer .
Observe que uma família de variáveis aleatórias independentes também é independente duas a duas. Entretanto não vale a recíproca.
Contra-exemplo 4.12.
Sejam e independentes assumindo os valores ou com probabilidade cada, e tome . Então , e não são independentes, pois
Entretanto, , e são independentes duas a duas. ∎
Concluímos esta seção com a observação seguinte, cuja prova será dada na Seção 13.1.
Observação 4.13.
Funções mensuráveis de famílias disjuntas de variáveis aleatórias independentes resultam em variáveis independentes. Por exemplo, se e são variáveis aleatórias independentes, então e também são independentes. ∎
Apesar de que propriedades análogas àquelas listadas na Proposição 3.13 são satisfeitas pela função de distribuição conjunta, como vemos na Figura 4.1, um análogo do Teorema 3.17 pode falhar, dependendo de como for feita a generalização. Por exemplo, a função dada por
não pode ser função de distribuição conjunta de nenhum vetor aleatório, apesar de ser monótona e contínua à direita em cada variável, tender a quando todas as coordenadas tendem a , e tender a quando uma delas tende a . Com efeito, se tal fosse função de distribuição conjunta de algum par , teríamos
para todos e e, tomando e , teríamos , o que seria absurdo.