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MAT–2454: Soluções de Exercícios e de Provas

Seção A.6 Regras da Cadeia e Derivadas direcionais

Nesta seção vamos apresentar a derivação da composta de uma função de duas variáveis com uma curva plana e, como consequência, maneiras de derivar outras compostas e também derivadas em direções que não são paralelas aos eixos coordenados, sempre ilustrados com exemplos e contra-exemplos.
Começamos com uma definição e uma lema técnico que permitirá enunciar o resultado principal desta seção.

Definição A.6.1. (Vetor Gradiente).

Seja \(f\colon A\subseteq\R^2\to\R\) uma função que admite derivadas pariciais em \((x_0,y_0)\in A\text{.}\) O gradiente de \(f\) em \((x_0,y_0)\) é o vetor
\begin{equation*} \nabla f(x_0,y_0)=\Big(\dfrac{\partial f}{\partial x}(x_0,y_0),\dfrac{\partial f}{\partial y}(x_0,y_0)\Big). \end{equation*}

Demonstração.

Queremos construir uma função \(\phi\) que verifique a propriedade acima. Se \((x,y)\neq (x_0,y_0)\text{,}\) é claro que tal função deve satisfazer
\begin{equation*} \phi(x,y)=\dfrac{f(x,y)-f(x_0,y_0)-\big\langle\nabla f(x_0,y_0),(x-x_0,y-y_0)\big\rangle}{\big\|(x-x_0,y-y_0)\big\|}. \end{equation*}
O valor de \(\phi\) em \((x_0,y_0)\) deve ser tal que a função seja contínua nesse ponto, ou seja, \(\phi(x_0,y_0)=\lim\limits_{(x,y)\to (x_0,y_0)} \phi(x,y)\text{.}\) Fazendo \(x=x_0+h\) e \(y=y_0+k\text{,}\) vemos que este limite é nada mais que o limite da Definição A.4.7, que é zero aqui, uma vez que \(f\) é diferenciável em \((x_0,y_0)\text{.}\)
Assim, definimos
\begin{equation*} \phi(x,y)=\begin{cases} \dfrac{f(x,y)-f(x_0,y_0)-\big\langle\nabla f(x_0,y_0),(x-x_0,y-y_0)\big\rangle}{\big\|(x-x_0,y-y_0)\big\|},&(x,y)\neq (x_0,y_0)\\ \hfill 0,& (x,y)=(x_0,y_0). \end{cases} \end{equation*}

Nota A.6.3.

Note inicialmente que as duas primeiras parcelas do lado direito na expressão em destaque são exatamente as parcelas independentes de \(z\) na equação do plano tangente gráfico de \(f\) em \((x_0,y_0)\text{.}\)
Com isto, este enunciado é uma generalização natural do que acontece com funções de uma variável, quando olhamos para o polinômio de Taylor de ordem 1: o erro na aproximação, ali pela reta tangente, aqui pelo plano tangente, dá um erro que tende a zero "mais rapidamente" do que \((x,y)\) se aproxima de \((x_0,y_0)\text{.}\)

Demonstração.

Começamos recordando que
\begin{equation*} (f\circ\gamma)'(t_0)=\lim\limits_{t\to t_0} \dfrac{(f\circ\gamma)(t)-(f\circ\gamma)(t_0)}{t-t_0}. \end{equation*}
Podemos aplicar o Lema A.6.2 aos termos do numerador acima, com \((x,y)=\gamma(t)\) e \((x_0,y_0)=\gamma(t_0)\text{,}\) obtendo
\begin{align*} (f\circ\gamma)'(t_0)& =\lim\limits_{t\to t_0}\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\dfrac{\gamma(t)-\gamma(t_0)}{t-t_0}\big\rangle+\phi\big(\gamma(t)\big)\dfrac{\big\|\gamma(t)-\gamma(t_0)\big\|}{t-t_0}\\ & =\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\gamma'(t_0)\big\rangle+ \lim\limits_{t\to t_0} \phi\big(\gamma(t)\big) \Big\|\dfrac{\gamma(t)-\gamma(t_0)} {t-t_0}\Big\|\dfrac{|t-t_0|}{t-t_0}\\ & =\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\gamma'(t0)\big\rangle, \end{align*}
pois \(\lim\limits_{t\to t_0}\phi\big(\gamma(t)\big)=\phi(x_0,y_0)=0\text{,}\) \(\lim\limits_{t\to t_0}\Big\|\dfrac{\gamma(t)-\gamma(t_0)} {t-t_0}\Big\|=\big\|\gamma'(t_0)\|\) e \(\dfrac{|t-t_0|}{t-t_0}\) é limitado.

Nota A.6.5.

Uma interpretação para a Regra da Cadeia apresentada acima é que a derivada, ou taxa de variação, de \(f\) ao longo de uma curva está ligada com a projeção ortogonal do gradiente de \(f\) sobre o vetor velocidade da curva.
Figura A.6.6. A composta \(f\circ\gamma\text{.}\)
Além de seu valor no cálculo de derivadas de compostas, a Regra da Cadeia é uma poderosa ferramenta para mostrar que uma função não é diferenciável. Veja como no exemplo abaixo:

Exemplo A.6.7.

A função \(f(x,y)=\begin{cases} \dfrac{x^3}{x^2+y^2},&(x,y)\neq (0,0);\\ \hfill 0,& (x,y)=(0,0)\end{cases}\) não é diferenciável na origem. De fato, \(\gamma(t)=(t,t)\text{,}\) é uma curva derivável tal que \(\gamma(0)=(0,0)\) e \(\gamma'(0)=(1,1)\text{.}\) Temos, calculando explicitamente, que
\begin{equation*} (f\circ \gamma)(t)=\dfrac{t}{2}\implies (f\circ \gamma)'(0)=\dfrac{1}{2}\text{.} \end{equation*}
No Exercício 1.5.5 calculamos as derivadas parciais de \(f\text{,}\) obtendo \(\nabla f(0,0)=(1,0)\text{.}\) derivadas parciais em \((0,0)\text{,}\) mas não é contínua em \((0,0)\text{.}\) Assim,
\begin{equation*} \big\langle\nabla f(0,0),\gamma'(0)\big\rangle=1\neq\frac{1}{2}=(f\circ \gamma)'(0). \end{equation*}
Se \(f\) fosse derivável na origem, a igualdade deveria valer para qualquer curva nas condições do enunciado do Teorema A.6.4
No caso especial em que a curva considerada é uma curva de nível da função temos um resultado bastante interessante:

Demonstração.

Basta observar que, nas condições do enunciado, temos \((f\circ\gamma)(t)=c\in\R\) e portanto \((f\circ\gamma)'(t)=0\) para todo \(t\in I\text{.}\) O resultado segue disto aplicado ao Teorema A.6.4.

Exemplo A.6.10.

Seja \(f(x,y)=x^2+y^2\text{,}\) que é diferenciável em todo seu domínio. Sua curva de nível \(c<0\) é um círculo centrado na origem e de raio \(\sqrt{c}\text{,}\) que pode ser parametrizado por \(\gamma(t)=\sqrt{c}(\cos t, \sin t)\text{,}\) \(t\in [0,2\pi]\text{.}\) Como \(\nabla f(x,y)=(2x,2y)\) e \(\gamma'(t)=\sqrt{c}(-\sin t, \cos t)\text{,}\) temos
\begin{equation*} \Big\langle\nabla f\big(\gamma(t)\big),\gamma'(t)\Big\rangle=\big\langle (2\sqrt{c}\cos t, 2\sqrt{c}\sin t),(-\sqrt{c}\sin t,\sqrt{c}\cos t)\big\rangle =0 \end{equation*}
Figura A.6.11. O gradiente ao longo de uma curva de nível.
Note que nessas condições a projeção do gradiente na direção tangente à da curva é nula, ou seja, que caminha ao longo de uma curva de nível "não sente" as derivadas de \(f\) (e por isso ela é constante ao longo dessa trajetória.

Demonstração.

Lembrando que as derivadas parciais deixam uma das variáveis fixadas, podemos aplicar o Teorema A.6.4 a cada uma das curvas indicadas no plano \(Oxy\) da figura abaixo.
Figura A.6.13. A composta \(f\circ\gamma\text{.}\)
Considerando então a curva \(\beta(u)=\big(g(u,v_0),h(u,v_0)\big)\text{,}\) para a qual \(\beta'(u)=\big(g_u(u,v_0),h_u(u,v_0)\big)\) e aplicando a Regra da Cadeia do Teorema A.6.4, temos
\begin{align*} \dfrac{\partial F}{\partial u}(u_0,v_0)& =(f\circ\beta)'(u_0)\\ &=\big\langle \nabla f(x_0,y_0),\beta'(u_0)\big\rangle= \dfrac{\partial f}{\partial x}(x_0,y_0)\dfrac{\partial g}{\partial u}(u_0,v_0)+\dfrac{\partial f}{\partial y}(x_0,y_0)\dfrac{\partial h}{\partial u}(u_0,v_0), \end{align*}
onde \((x_0,y_0)=\big(g(u_0,v_0),h(u_0,v_0)\big)\text{.}\)
Procedendo de maneira análoga para a curva \(\gamma(v)=\big(g(u_0,v),h(u_0,v)\big)\text{,}\) obtemos a expressão para a derivada em \(v\) de \(F\text{,}\) no ponto \((u_0,v_0)\text{.}\)
Podemos, naturalmente, calcular as derivadas segundas de tais compostas. Para tanto, basta lembrar que vamos precisar dos gradientes de \(f_x\) e \(f_y\text{:}\)
\begin{equation*} \nabla f_x(x,y)=\big(f_{xx}(x,y),f_{xy}(x,y)\big); \qquad \nabla f_x(x,y)=\big(f_{xx}(x,y),f_{xy}(x,y)\big). \end{equation*}
Assim, com as hipóteses de derivadas parciais de \(f\) sendo diferenciáveis e \(\gamma\) admitindo segunda derivada nos respectivos pontos, e escrevendo \(\gamma(t)=\big(x(y),y(t)\big)\text{,}\) temos, com a Regra da Cadeia, que
\begin{align*} (f\circ\gamma)''(t_0)&=\Big(\big\langle\nabla f\big(\gamma(t)\big),\gamma'(t)\big\rangle\Big)'(t_0)\\ =&\Big(f_x\big(\gamma(t)\big)x'(t)+ f_y\big(\gamma(t)\big)y'(t)\Big)'(t_0). \end{align*}
Derivando cada parcela com a regra do produto e usando novamente a Regra da Cadeia (aplicada às derivadas parciais de \(f\)), temos
\begin{align*} \Big(f_x\big(\gamma(t)\big)&x'(t)+ f_y\big(\gamma(t)\big)y'(t)\Big)'(t_0)\\ &=\big\langle \nabla f_x\big(\gamma(t_0)\big),\gamma'(t_0)\Big\rangle x'(t_0)+ f_x\big(\gamma(t_0)\big)x''(t_0)+\\ &\big\langle \nabla f_y\big(\gamma(t_0)\big),\gamma'(t_0)\Big\rangle y'(t_0)+ f_y\big(\gamma(t_0)\big)y''(t_0). \end{align*}
Abrindo os produtos internos usando (A.6.1) e escrevendo tudo nas notações mais sintéticas (cuidado com os pontos de aplicação!), temos
\begin{align} (f\circ\gamma)''(t_0) =f_{xx}&(x_0,y_0)\big(x'(t_0)\big)^2+f_{yy}(x_0,y_0)\big(y'(t_0)\big)^2+\notag\\ &\big(f_{xy}(x_0,y_0)+f_{yx}(x_0,y_0)\big)x'(t_0)y'(t_0)+\notag\\ &f_x\big(\gamma(t_0)\big)x''(t_0)+ f_y\big(\gamma(t_0)\big)y''(t_0).\tag{A.6.2} \end{align}
No caso especial em que \(f\) é de classe \(\mathscr{C}^2\) em \((x_0,y_0)\text{,}\) usamos o Teorema A.5.7 para escrever
\begin{align} (f\circ\gamma)''(&t_0)=\notag\\ &f_{xx}(x_0,y_0)\big(x'(t_0)\big)^2+f_{yy}(x_0,y_0)\big(y'(t_0)\big)^2+\notag\\ &2f_{xy}(x_0,y_0)x'(t_0)y'(t_0)+f_x\big(\gamma(t_0)\big)x''(t_0)+ f_y\big(\gamma(t_0)\big)y''(t_0).\tag{A.6.3} \end{align}
Assim como usamos o Teorema A.6.4 para provar o Corolário A.6.12, é possível usar as expressões acima para calcular as derivadas parciais de segunda ordem de compostas do tipo \(f\big(g(u,v),h(u,v)\big)\text{.}\) Fazemos isso no Exercício 1.6.6.

Definição A.6.15. (Derivada Direcional).

Sejam \(f\colon A\subseteq\R^2\to\R\) uma função e \(\vec{v}\in\R^2\) um vetor unitário. A derivada direcional de \(f\text{,}\) na direção de \(\vec{v}\text{,}\) em \((x_0,y_0)\) é dada por
\begin{equation*} \dfrac{\partial f}{\partial \vec{v}}(x_0,y_0)=\lim\limits_{t\to 0}\dfrac{f\big((x_0,y_0)+t\vec{v}\big)-f(x_0,y_0)}{t}. \end{equation*}

Nota A.6.16.

No caso especial em que \(\vec{v}=\vec{e_1}=(1,0)\) ou \(\vec{v}=\vec{e_2}=(0,1)\text{,}\) recuperamos, respectivamente, \(f_x(x_0,y_0)\) e \(f_y(x_0,y_0)\text{.}\) A interpretação geométrica é análoga à feita na Nota A.4.2, com cortes por planos não paralelos aos eixos \(Ox\) ou \(Oy\text{.}\)
Quando a função \(f\) é diferenciável, o vetor gradiente determina completamente as derivadas direcionais:

Demonstração.

Basta parametrizar um segmento de reta que passa por \((x_0,y_0)\) e tem a direção de \(\vec{v}\text{:}\) \(\gamma(t)=(x_0,y_0)+t\vec{v}\text{,}\) \(t\in (-\epsilon,\epsilon)\) (com \(\epsilon > 0\)). Assim,
\begin{equation*} \dfrac{\partial f}{\partial \vec{v}}(x_0,y_0)=\lim\limits_{t\to 0}\dfrac{f\big((x_0,y_0)+t\vec{v}\big)-f(x_0,y_0)}{t}=(f\circ\gamma)'(t_0)=\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\vec{v}\big\rangle. \end{equation*}

Nota A.6.18.

Se \(\gamma:I\subseteq\R\to\R^2\) é qualquer curva derivável em \(t_0\in I\) tal que \(\gamma(t_0)=(x_0,y_0)\) e \(\gamma'(t_0)=\vec{v}\text{,}\) então
\begin{equation*} (f\circ\gamma)'(t_0)=\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\gamma'(t_0)\big\rangle=\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\vec{v}\big\rangle=\dfrac{\partial f}{\partial \vec{v}}(x_0,y_0), \end{equation*}
ou seja, a derivada de \(f\) ao longo de \(\gamma\) em \(t_0\) depende apenas de \(\gamma'(t_0)\text{.}\) Em outras palavras, se duas curvas passam por um mesmo ponto do plano e têm o mesmo tangente nesse ponto, então qualquer função diferenciável terá a mesma derivada quando composta com essas curvas naquele ponto.

Nota A.6.19.

A existência de derivadas direcionais em todas as direções não garante diferenciabilidade. Por exemplo, vimos que a função do Exercício 1.5.5 não é diferenciável na origem, mas admite derivadas direcionais nesse ponto em todas as direções: se \(\vec{v}=(a,b)\text{,}\) com \(a^2+b^2=1\text{,}\) temos:
\begin{equation*} \dfrac{\partial f}{\partial\vec{v}}(0,0)=\lim\limits_{t\to 0}\dfrac{f(at,bt)-f(0,0)}{t}=\lim\limits_{t\to 0}\dfrac{a^3t}{t}=a^3. \end{equation*}
Em vista da fórmula na Proposição A.6.17 acima, sabemos a derivada direcional de qualquer função diferenciável deve depender linearmente das coordenadas da direção em que estamos derivando.

Demonstração.

Basta olhar para a definição geométrica do produto escalar em \(\R^2\text{:}\)
\begin{equation*} \dfrac{\partial f}{\partial\vec{v}}(x_0,y_0)=\big\langle\nabla f(x_0,y_0),\vec{v}\big\rangle=\|\nabla f(x_0,y_0)\|\|\vec{v}\|\cos\theta\text{.} \end{equation*}
Como \((x_0,y_0)\) está fixado, \(\|\nabla f(x_0,y_0)\|\|\vec{v}\|\) é uma constant e \(\|\vec{v}\|=1\text{.}\) Desta forma o valor da derivada direcional depende somente \(\theta\) e assumirá seu máximo, quando \(\theta=0\text{,}\) ou seja, quando \(\vec{v}=\dfrac{\nabla f(x_0,y_0)}{\|\nabla f(x_0,y_0)\|}\)
O vídeo abaixo ilustra uma aplicação interessante da Proposição A.6.20
Figura A.6.21. Trajetórias ortogonais a curvas de nível.
Fechamos esta revisão com uma curiosidade: