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MAT–2454: Soluções de Exercícios e de Provas

Seção A.4 Derivadas Parciais e Diferenciabilidade

Apresentamos a seguir as principais definições e resultados sobre derivadas parciais, diferenciabilidade e plano tangente ao gráfico de uma função, sempre ilustrados com exemplos e contra-exemplos.

Definição A.4.1. (Derivadas parciais).

Sejam \(f\colon A\subseteq\R^2\to\R\) uma função e \((x_0,y_0)\) um ponto no interior 1  de \(A\text{.}\) As derivadas parciais de \(f\) em \((x_0,y_0)\) são dadas por
\begin{align*} \dfrac{\partial f}{\partial x}(x_0,y_0) &=\lim\limits_{h\to 0}\dfrac{f(x_0+h,y_0)-f(x_0,y_0)}{h};\\ \dfrac{\partial f}{\partial y}(x_0,y_0) &=\lim\limits_{k\to 0}\dfrac{f(x_0,y_0+k)-f(x_0,y_0)}{k}. \end{align*}
É frequente na literatura encontrar \(f_x(x_0,y_0)\) indicando \(\dfrac{\partial f}{\partial x}(x_0,y_0)\) e \(f_y(x_0,y_0)\) no lugar de \(\dfrac{\partial f}{\partial y}(x_0,y_0)\text{.}\)

Nota A.4.2.

Na definição acima apenas uma das coordenadas varia, o que se generalizaria para derivadas parciais de funções com mais de duas variáveis. Veja abaixo uma figura que dá a interpretação geométrica das derivadas parciais num ponto.
Figura A.4.3. Interpretação das derivadas parciais
Assim, \(\dfrac{\partial f}{\partial x}(x_0,y_0)=\tan \alpha\) e \(\dfrac{\partial f}{\partial y}(x_0,y_0)=\tan \beta\text{.}\)
Fixando uma das variáveis de \(f\text{,}\) digamos \(y=y_0\) (pense nela como uma constante real), temos a função de uma variável \(g(x)=f(x,y_0)\text{.}\) Se \(g\) derivável em \(x_0\text{,}\) então \(f_x(x_0,y_0)=g'(x_0)\text{.}\) Analogamente, se \(h(y)=f(x_0,y)\) é derivável em \(y_0\text{,}\) então \(f_y(x_0,y_0)=h'(y_0)\text{.}\)

Nota A.4.4.

Aqui aparece uma primeira diferença em relação ao cálculo em uma variável: lá toda função derivável num ponto é automaticamente contínua nesse ponto; aqui a existência das derivadas parciais em \((x_0,y_0)\) não garante a continuidade da função em \((x_0,y_0)\text{.}\) Veja um exemplo a seguir.

Exemplo A.4.5.

A função \(f(x,y)=\begin{cases} \dfrac{xy}{x^2+y^2},&(x,y)\neq (0,0);\\ \hfill 0,& (x,y)=(0,0)\end{cases}\) admite derivadas parciais em \((0,0)\text{,}\) mas não é contínua em \((0,0)\text{.}\)
Precisamos calcular as derivadas parciais pela definição, já que a regras de derivação do quociente não se aplica (denominador se anula no ponto estudado). Então
\begin{align*} \dfrac{\partial f}{\partial x}(0,0) &=\lim\limits_{h\to 0}\dfrac{f(0+h,0)-f(0,0)}{h} =\lim\limits_{h\to 0}\dfrac{\dfrac{h\cdot 0}{h^2+0^2}-0}{h} =0;\\ \dfrac{\partial f}{\partial y}(0,0) &=\lim\limits_{k\to 0}\dfrac{f(0,0+k)-f(0,0)}{k} =\lim\limits_{k\to 0}\dfrac{\dfrac{0\cdot k}{0^2+k^2}-0}{k} =0, \end{align*}
o que era de se esperar, uma vez que \(f\) é constante (nula) ao longo dos eixos coordenados.
Porém, ao longo da curva \(\gamma(t)=(t,t)\text{,}\) temos
\begin{equation*} \lim\limits_{t\to 0}f\big(\gamma(t)\big)=\lim\limits_{t\to 0} \dfrac{t^2}{2t^2}=\dfrac{1}{2}\neq 0=f(0,0), \end{equation*}
mostrando, de acordo com o Teorema A.3.8, que \(f\) não é contínua em \((0,0)\text{.}\)
Veja o gráfico de \(f\) e verifique que o comportamento ao longo dos eixos \(Ox\) e \(Oy\) não dertermina o que acontece em outras direções no domínio.
Figura A.4.6. Gráfico de função e cortes de nível
Isto mostra que precisamos de algo "mais forte" do que exigir apenas a existência de derivadas parciais sequeremos aproximar a função por algo linear numa vizinhança de um ponto, independentemente como nos aproximamos desse ponto (e não apenas paralelamente aos eixos coordenados, como ocorre nas derivadas parciais).

Definição A.4.7. (Diferenciabilidade e Plano Tangente).

Sejam \(f\colon A\subseteq\R^2\to\R\) uma função e \((x_0,y_0)\) um ponto no interior de \(A\text{.}\) A função \(f\) é diferenciável em \((x_0,y_0)\) se
\begin{equation*} \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)} \dfrac{f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0)-f_x(x_0,y_0)h-f_y(x_0,y_0)k} {\sqrt{h^2+k^2}}=0. \end{equation*}
Se \(f\) é diferenciável em \((x_0,y_0)\text{,}\) o plano tangente ao seu gráfico no ponto \(\big(x_0,y_0,f(x_0,y_0)\big)\) tem equação
\begin{equation*} \pi\colon f_x(x_0,y_0)(x-x_0)+f_y(x_0,y_0)(y-y_0)-z+f(x_0,y_0)=0. \end{equation*}
Com isso, o vetor normal ao gráfico nesse pontos é
\begin{equation*} n_f(x_0,y_0)=\big(f_x(x_0,y_0),f_y(x_0,y_0),-1\big), \end{equation*}
e a equação da reta normal naquele ponto é
\begin{equation*} r\colon (x,yz)=\big(x_0,y_0,f(x_0,y_0)\big)+\lambda n_f(x_0,y_0),\quad\\lambda\in\R. \end{equation*}

Nota A.4.8.

A equação do plano tangente pode ser reescrita como uma função afim
\begin{equation*} z(x,y)=f_x(x_0,y_0)(x-x_0)+f_y(x_0,y_0)(y-y_0). \end{equation*}
Com isso, de maneira intuitiva, a definição de diferenciabilidade diz que a diferença entre o valor de \(f(x_0+h,y_0+k)\) e a sua estimativa por \(z(x_0+h,y_0+k)\) tende a zero "mais rapidamente" que a distância entre \((x_0+h,y_0+k)\) e \((x_0,y_0)\text{.}\) Isto é exatamente o que acontece para funções deriváveis a uma variável real.

Demonstração.

Se \(f\colon A\subseteq\R^2\to\R\) é diferenciável em \((x_0,y_0)\text{,}\) então
\begin{equation*} \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)} \dfrac{f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0)-f_x(x_0,y_0)h-f_y(x_0,y_0)k} {\sqrt{h^2+k^2}}=0. \end{equation*}
Em particular,
\begin{equation*} \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)} f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0)-f_x(x_0,y_0)h-f_y(x_0,y_0)k=0 \end{equation*}
e, fazendo \(x=x_0+h\text{,}\) \(y=y_0+k\) na expressão acima, temos
\begin{equation*} \lim\limits_{(x,y)\to(x_0,y_0)} f(x,y)=f(x_0,y_0), \end{equation*}
que pelo Teorema A.3.10, garante a continuidade de \(f\) em \((x_0,y_0)\text{.}\)
Como vimos anteriormente a existência das derivadas parciais não garante sequer continuidade, quanto mais diferenciabilidade. Porém, se as derivadas parciais são bem comportadas, a situação é bem melhor:

Demonstração.

Observamos incialmente que
\begin{equation*} f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0)=f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0+k) +f(x_0,y_0+k)f(x_0,y_0). \end{equation*}
Escrevendo \(g(x)=f(x,y_0+k)\text{,}\) podemos usar o TMV (caso particular do Teorema A.1.1) para concluir que
\begin{equation*} g(x_0+h)-g(x_0)=g'(\overline{x})h\implies f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0+k) = f_x(\overline{x},y_0+k)h, \end{equation*}
para algum \(\overline{x}\) entre \(x_0\) e \(x_0+h\text{.}\)
De maneira totalmente análoga, temos
\begin{equation*} f(x_0,y_0+k)-f(x_0,y_0) = f_y(x_0,\overline{y})k, \end{equation*}
para algum \(\overline{y}\) entre \(y_0\) e \(y_0+k\text{.}\) Desta forma, usando o limite para verificar a diferenciabilidade de \(f\) em \((x_0,y_0)\) escreve-se
\begin{align*} \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)}& \dfrac{f(x_0+h,y_0+k)-f(x_0,y_0)-f_x(x_0,y_0)h-f_y(x_0,y_0)k} {\sqrt{h^2+k^2}}=\\ \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)}& \Big[f_x(\overline{x},y_0+k)-f_x(x_0,y_0)\Big] \dfrac{h}{\sqrt{h^2+k^2}}+\\ & \Big[f_y(x_0,\overline{y})-f_y(x_0,y_0)\Big] \dfrac{k}{\sqrt{h^2+k^2}}=0, \end{align*}
pois, em cada parcela, o segundo fator é limitado e a continuidade das derivadas parciais diz que o primeiro vai a zero. Verificamos isso para a derivada parcial em \(x\)
\begin{equation*} \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)}f_x(\overline{x},y_0+k)=f_x(x_0,y_0), \end{equation*}
já que \(h\to 0\implies \overline{x}\to x_0\) e \(k\to 0\implies y_0+k\to y_0\text{.}\) O argumento é idêntico para a segunda parcela. Logo \(f\) é diferenciável em \((x_0,y_0)\text{.}\)
O exemplo a seguir mostra que o resultado acima é uma condição suficiente mas não necessária.

Exemplo A.4.12.

A função \(f(x,y)=\begin{cases} \dfrac{x^2y^2}{x^2+y^4},&(x,y)\neq (0,0);\\ \hfill 0,& (x,y)=(0,0)\end{cases}\) é diferenciável na origem, mas uma de suas derivadas parciais não é contínua nesse ponto.
A continuidade de \(f\) segue de que \(\dfrac{x^2}{x^2+y^4}\) é limitado e \(y^2\to 0\) se \(y\to 0\text{.}\) As derivadas parciais são calculadas via regras de derivação fora da origem e pela definição na origem. Fazendo as contas, obtemos
\begin{align*} \dfrac{\partial f}{\partial x}(x,y)&=\begin{cases} \dfrac{2xy^6}{(x^2+y^4)^2},& (x,y)\neq(0,0)\\ \hfill 0,& (x,y)=(0,0); \end{cases};\\ \dfrac{\partial f}{\partial y}(x,y)&=\begin{cases} \dfrac{2x^4y-2x^2y^5}{(x^2+y^4)^2},& (x,y)\neq(0,0)\\ \hfill 0,& (x,y)=(0,0). \end{cases}; \end{align*}
Verifiquemos a diferenciabilidade pela definição: calcular
\begin{equation*} \lim\limits_{(h,k)\to(0,0)}\dfrac{h^2k^2}{(h^2+k^4)\sqrt{h^2+k^2}} =\lim\limits_{(h,k)\to(0,0)}\dfrac{h^2}{h^2+k^4}\dfrac{k}{\sqrt{h^2+k^2}}k=0, \end{equation*}
logo \(f\) é diferenciável na origem.
Agora, a continuidade das derivadas parciais:
  • A derivada parcial em \(x\) não é contínua na origem, basta tomar a curva \(\gamma(t)=(t^2,t)\text{,}\) para obter
    \begin{equation*} \lim\limits_{t\to 0}f_x\big(\gamma(t)\big)=\lim\limits_{t\to 0}\dfrac{2t^2\cdot t^6}{(t^4+t^4)^2}=\dfrac{1}{2}\neq f_x(0,0). \end{equation*}
  • Já a derivada parcial em \(y\) é contínua na origem, pois
    \begin{equation*} \lim\limits_{(x,y)\to(0,0)}f_y(x,y)= \lim\limits_{(x,y)\to(0,0)}2y\dfrac{x^4}{(x^2+y^4)^2} -2y\dfrac{x^2y^4}{(x^2+y^4)^2}=0, \end{equation*}
    pois cada parcela tem o segundo fator limitado e o primeiro tendendo a zero.
Encerramos esta guia de consulta rápida da teoria com um diagrama de implicações entre os conceitos de continuidade, existência de derivadas parciais e diferenciabilidade num ponto do interior do domínio de uma função.
Diagrama de implicações entre os conceitos
Figura A.4.13. Diagrama de implicações entre os conceitos
No diagrama acima, se não existe uma seta conectando dois conceitos é por que não há relação de causa e consequência entre eles. Procure, nos exemplos e exercícios resolvidos, situações que ilustram as ausências de setas (em algum ou nos dois sentidos) ligando os termos.