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MAT–2454: Soluções de Exercícios e de Provas

Seção A.9 Máximos e mínimos condicionados

Agora vamos tratar do caso análogo ao do estudo de máximos e mínimo de funções de uma variável real em intervalos fechados. Começamos estabelecendo uma generalização para intervalos em domínios de dimensão mais alta.

Definição A.9.1.

Um conjunto \(A\subseteq\R^n\) é compacto se for fechado e limitado. Por fechado entendemos um conjunto cujo complementar é aberto (todos os pontos de um aberto são pontos interiores, ou seja, centros de bolas abertas inteiramente contidas nele). Um conjunto é limitado se existe uma bola aberta centrada na origem que o contém.
Como no Cálculo 1, temos o
A prova deste resultado é um tanto técnica e pode ser negligenciada (momentaneamente).

Exemplo A.9.3.

Decida se a função \(f(x,y)=xy\text{,}\) definida no conjunto \(A=\big\{(x,y)\in\R^2\colon x^2+y^2\leq 1\big\}\) admite valor máximo ou mínimo. Em caso afirmativo determine os pontos onde isso ocorre.
Solução.
Observamos que \(f\) é contínua (mais que isso até) e o conjunto \(A\) é compacto. Pelo Teorema A.9.2 acima, temos que a função assume valor máximo e também valor mínimo em \(A\text{.}\)
Para determinar os pontos onde isso ocorre, notamos que o conjunto \(A\) tem interior não vazio, que é o disco "aberto" \(\big\{(x,y)\in\R^2\colon x^2+y^2< 1\big\}\text{,}\) e uma fronteira não vazia, que é a circunferência \(\big\{(x,y)\in\R^2\colon x^2+y^2= 1\big\}\text{.}\) No interior, os candidatos a máximo e mínimo são determinados usando-se o Teorema A.8.4:
\begin{equation*} \nabla f(x,y)=(y,x)=(0,0)\iff (x,y)=(0,0), \end{equation*}
onde temos \(\boxed{f(0,0)=0}\text{.}\)
A fronteira, neste caso especial, pode ser parametrizada por \(\gamma(t)=(\cos t, \sin t)\text{,}\) \(t\in [0,2\pi]\text{.}\) Sobre os pontos da froteira temos que \(f\) se comporta como
\begin{equation*} f\big(\gamma(t)\big)=\cos t \sin t, \quad t\in [0,2\pi], \end{equation*}
que é uma função contínua de uma variável real definida num intervalo fechado. Sabemos o que fazer!
Se \(t_0\) é ponto de máximo ou mínimo de \(f\big(\gamma(t)\big)\) no interior do intervalo, devemos ter \((f\circ\gamma)'(t_0)=0\text{.}\) Nesse caso podemos calcular explicitamente:
\begin{equation*} (f\circ\gamma)'(t_0)=0\iff\cos(2t)=0\iff t=\dfrac{k\pi}{4}, k=1,3,5,7. \end{equation*}
Anotamos os valores nesses pontos:
\begin{equation*} f\big(\gamma(\pi/4)\big)=\boxed{f(\sqrt{2}/2,\sqrt{2}/2)=1/2=f(-\sqrt{2}/2,-\sqrt{2}/2)}=f\big(\gamma(5\pi/4)\big) \end{equation*}
\begin{equation*} f\big(\gamma(3\pi/4)\big)=\boxed{f(-\sqrt{2}/2,\sqrt{2}/2)=-1/2=f(\sqrt{2}/2,-\sqrt{2}/2)}=f\big(\gamma(7\pi/4)\big) \end{equation*}
Comparando os valores em destaque temos que o valor máximo de \(f\) em \(A\) é \(1/2\) e o mínimo é \(-1/2\text{,}\) atingidos nos pontos indicados acima. O ponto \((0,0)\) é um candidato onde a função não atingiu seu valor máximo nem seu valor mínimo (você já sabia isso da seção anterior).
Note que se usássemo a regra da cadeia para derivar \(f\circ\gamma\text{,}\) observaríamos que os candidatos a máximo e mínimo são aqueles onde o gradiente de \(f\) é ortogonal a \(\gamma'\text{.}\) Guarde isso!
Considerando o exemplo acima (principalmente a observação ao final da solução), assista o vídeo abaixo para motivar os resultados seguintes.
Figura A.9.4. Máximos e mínimos condicionados.
Agora estamos em condições de enunciar os resultados sobre máximos e mínimos de funções a várias (duas ou três) variáveis com restrições dadas por conjuntos de nível ou interseções deles.

Demonstração.

Apresentamos aqui apenas um esboço da demonstração. Como, em particular, \(\nabla g(x_0,y_0)\neq 0\text{,}\) e \(g\) é de classe \(\mathscr{C}^1\text{,}\) usamos o Teorema da Função Implícita (veja Proposição A.7.9 e a observação sobre sua recíproca ao fim daquela seção) para exibir uma curva de classe \(\mathscr{C}^1\text{,}\) \(\gamma\colon I\to\R^2\text{,}\) com \(I\) um intervalo aberto contendo \(t_0\) tal que \(\gamma(t_0)=(x_0,y_0)\text{.}\) Sabemos, inclusive, que tal curva é o gráfico de \(y\) como função de \(x\) ou vice-versa).
Tratamos aqui apenas o caso de máximo local (o outro é análogo). Sendo \((x_0,y_0)\in B\) é um ponto de máximo local de \(f\) sobre \(B\text{,}\) ou seja, \(f\big(\gamma(t_0)\big)=f(x_0,y_0)\geq f\big(\gamma(t)\big)\) para todo \(t\in J\text{,}\) onde \(J\) é um intervalo aberto que contém \(t_0\) e está contido em \(I\text{,}\) temos que
\begin{equation*} (f\circ\gamma)'(t_0)=0\iff \langle\nabla f(x_0,y_0),\gamma'(t_0)\rangle=0\iff \boxed{\nabla f(x_0,y_0)\perp\gamma'(t_0)}. \end{equation*}
Agora, como \(\gamma\) parametriza uma parte da curva de nível \(0\) de \(g\) então, do Corolário A.6.8, temos que \(\boxed{\nabla g(x_0,y_0)\perp\gamma'(t_0)}\text{.}\) As duas expressões em destaque garantem, uma vez que estamos em \(\R^2\text{,}\) que
\begin{equation*} \nabla f(x_0,y_0)\parallel\nabla g(x_0,y_0)\text{,} \end{equation*}
como desejado.
Uma outra maneira de enxergar esse resultado é que, num ponto de máximo ou de mínimo de \(f\) sobre uma curva de nível de \(g\text{,}\) a projeção de \(\nabla f\) na direção tangente à tal curva de nível é nula. Em outras palavras, alguém que se desloca sobre a curva de nível de \(g\) "não sente" as derivadas de \(f\) quando passa por um de seus pontos de máximo ou mínimo.
Importante ressaltar que, como já estamos acostumados, não vale a recíproca, ou seja, se os gradientes são paralelos num ponto, não temos garantia que esse ponto é um de máximo ou mínimo local sobre aquela restrição.
Um exemplo interessante onde o teorema ajuda, mas não é suficiente para encontrar a solução está aqui 1 .
De maneira análoga, o resultado acima vale para máximos ou mínimos locais de funções a três variáveis sobre uma superfície de nível de outra função:

Demonstração.

A ideia aqui é essencialmente a mesma que a da proposição anterior, observando que \((f\circ\gamma)'(t_0)=0\) para toda curva \(\gamma\) cuja imagem está contida na superfície de nível \(0\) de \(g\text{,}\) \(B=g^{-1}(0)\text{.}\)
Isso mostra, como visto na Definição A.7.6, que \(\nabla f(x_0,y_0,z_0)\) é ortogonal ao plano tangente à \(B\) em \((x_0,y_0,z_0)\text{,}\) assim como \(\nabla g(x_0,y_0,z_0)\) é ortogonal ao plano tangente à \(B\) nesse ponto. Dois vetores de \(\R^3\) ortogonais a uma mesmo plano devem ser paralelos.
Finalmente, estabelecemos o resultado para pontos de máximo ou mínimo local sobre a interseção de duas superfícies de nível de duas outras funções:

Demonstração.

Nada inédito: como \(g\) e \(h\) são de classe \(\mathscr{C}^1\text{,}\) a condição \(\nabla g(x_0,y_0,z_0)\wedge\nabla h(x_0,y_0,z_0)\neq\vec{0}\) garante, através do Teorema da Função Implícita, a existência de uma função de classe \(\mathscr{C}^1\text{,}\) \(\gamma\colon I\to\R^3\text{,}\) onde \(I\) é um intervalo aberto contendo \(t_0\) tal que \(\gamma(t_0)=(x_0,y_0,z_0)\) e \(\gamma(t)\in B=g^{-1}(0)\bigcap h^{-1}(0)\text{.}\) Já sabemos que
\begin{equation*} \gamma'(t)\parallel \nabla g\big(\gamma(t)\big)\wedge\nabla h\big(\gamma(t)\big)\text{.} \end{equation*}
Se \((x_0,y_0,z_0)\) é máximo (ou mínimo) local de \(f\) ao longo de \(B\text{,}\) então
\begin{equation*} (f\circ\gamma)'(t_0)=0\iff \langle\nabla f(x_0,y_0),\gamma'(t_0)\rangle=0\iff \boxed{\nabla f(x_0,y_0,z_0)\perp\gamma'(t_0)}. \end{equation*}
A condição destacada acima, e a hipótese inicial sobre independência linear dos gradientes de \(g\) e \(h\text{,}\) garantem que
\begin{equation*} \nabla f(x_0,y_0,z_0)\in\big[\nabla d(x_0,y_0,z_0),\nabla h(x_0,y_0,z_0)\big]\text{,} \end{equation*}
ou seja, \(\big\{\nabla f(x_0,y_0,z_0)m\nabla f(x_0,y_0,z_0),\nabla f(x_0,y_0,z_0)\big\}\) é linearmente dependente, como desejado.